Segundo denúncia, mulher pegou dinheiro que seria usado para capacitar profissionais ao mesmo tempo em que cobrava taxa de famílias de baixa renda para oferecer serviços.
Um grupo de mães e profissionais de diferentes áreas denunciou uma professora, identificada como Maria da Conceição de Sousa, por aplicar golpes ao criar um falso projeto social para crianças e adolescentes com deficiência intelectual em Glória do Goitá, na Zona da Mata Norte de Pernambuco. O caso é investigado pela Polícia Civil como estelionato.
Segundo a denúncia, a mulher
pegou o dinheiro exigido a futuros funcionários de uma suposta clínica para
fazerem uma capacitação. Ao mesmo tempo, cobrava uma taxa, de forma indevida,
para famílias de baixa renda participarem do falso programa. O g1 entrou em
contato com Maria da Conceição de Sousa, mas, até a última atualização desta
reportagem, não obteve retorno.
A assistente social
Elizangela Luz disse que foi convidada, em dezembro do ano passado, com mais 20
profissionais, para participar da ação, que ofereceria atendimento psicossocial
a jovens com transtorno do espectro autista (TEA) e outras condições
neurológicas.
O espaço, que se chamaria
Inclusão e Equidade, ia funcionar num empresarial localizado no Centro da
cidade.
Entre os trabalhadores
chamados para atuar na iniciativa, estavam psicopedagogos, psicólogos,
monitores e assistentes sociais. Além disso, segundo Elizangela, a professora
convidou dois padres para serem coordenadores do projeto.
"Ela conversou comigo e
disse que, no lugar onde ela trabalhava, o município aqui vizinho, Vitória de
Santo Antão, uma empresa financiava o projeto em parceria com a prefeitura, só
que tinham rompido esse contrato lá, e a empresa não queria mais que o projeto
fosse lá em Vitória", contou.
De acordo com a assistente
social, a equipe começou a trabalhar na montagem do projeto enquanto aguardava
uma representante da empresa que supostamente patrocinaria o projeto, a
operadora de telefonia Vivo, que seria encarregada de trazer e assinar os
contratos de trabalho. A empresa negou qualquer vínculo com o suposto projeto
social (veja resposta abaixo).
"Ela alugou o prédio
com tudo, passou a chave, comecei a ir ao prédio, marcando com as pessoas irem
fazer o cadastro. E o projeto ia começar agora em abril. A gente estava
aguardando, já fazia três semanas, a mulher vir para acertar o contrato. Mas sempre
acontecia alguma coisa, que essa mulher não vinha", afirmou Elizangela.
Durante esse processo,
segundo Elizangela, a investigada disse aos profissionais que, para serem
contratados, teriam que fazer uma pós-graduação em terapia ocupacional, na
Faculdade de Ciências Humanas Esuda, no Recife. A instituição negou ter
participado da ação (veja resposta abaixo).
"Esse curso seria feito
numa faculdade do Recife e a gente só pagaria a inscrição, porque todo o
restante da pós quem iria pagar era a empresa que financiaria o projeto. Então,
nós, mais de 20 pessoas, pagamos para ela fazer a matrícula na faculdade",
disse Elizangela.
Segundo a assistente social,
no início, a mulher falava que a matrícula custava R$ 200. Depois, à medida que
mais profissionais aderiam, o valor subiu para R$ 700, "porque a promoção
tinha acabado".
As transferências, via pix,
eram feitas para uma conta do marido de Maria da Conceição, que, posteriormente,
disse não ter conhecimento das transações, conforme afirmou Elizangela (saiba
mais abaixo).
Professora cobrava taxa a
mães
Do outro lado, as famílias
que seriam beneficiadas pelo projeto também foram lesadas. A assistente social
Elizangela Luz contou que descobriu a fraude enquanto conversava com uma
vizinha, que disse que pagou R$ 200 para matricular os netos no projeto.
"Tomei um choque,
porque a gente já tinha feito mais de 51 cadastros de famílias e ninguém
cobrava nada. Realmente, as famílias iam ter o benefício do atendimento para os
filhos. E ela estava cobrando essa taxa. Foi quando começamos a investigar",
afirmou. Segundo ela, ao menos três mães fizeram pagamentos à professora.
Uma delas é a dona de casa
Roseane Jatobá, moradora de Glória do Goitá, que tem um filho de 5 anos com
autismo. Ela foi convidada por Maria da Conceição para participar do projeto em
dezembro, em Vitória de Santo Antão.
"De cara, eu disse que
ia participar porque eu queria que meu filho tivesse esse tipo de
acompanhamento. Até então, ela não cobrou nenhum valor. [...] Logo em seguida,
no começo de dezembro, ela falou a respeito, que a gente tinha que pagar um
'valorzinho', uma taxa. Um valor simbólico para pagar o especialista, o
neuropediatra", contou a mãe.
Por conta do alto valor
cobrado por consultas com o especialista em clínicas particulares, Roseane
acreditou que seria vantajoso pagar a "taxa". De acordo com a mãe, a
professora afirmou ter marcado a consulta, mas dava desculpas quando a data se
aproximava.
"Ela começou a enrolar.
Marcava o dia para a gente ir em Vitória fazer o acompanhamento, mas, no dia,
ela desmarcava, inventava alguma coisa. Falava que as mães teriam ajuda de
custo no valor de R$ 600. Falou também a respeito de uma cesta básica que a gente
teria direito de receber, tudo isso dentro desse projeto social", contou.
Roseane só descobriu que o
projeto se tratava de um golpe há pouco mais de uma semana, quando outras mães
contaram que várias delas tinham feito pagamentos, mas nenhuma tinha conseguido
realizar qualquer tipo de consulta ou acompanhamento.
Procurada pelo g1, a Polícia Civil disse que registrou a ocorrência de estelionato na delegacia de Glória do Goitá, no dia 19 de abril. Ainda segundo a corporação, as investigações seguem até o esclarecimento do caso.
Professora sumiu
De acordo com a assistente
social Elizangela Luz, após descobrirem que o projeto era falso, os
profissionais que participariam da iniciativa se reuniram com a professora e
revelaram o que tinham descoberto. Segundo ela, ao ser confrontada, Maria da
Conceição negou as acusações.
"Ela deixou na reunião
que essa mulher, a supervisora da Vivo, viria na quinta-feira (25 de abril)
falar com o padre e provar que o projeto existia. E disse: 'Mas, se vocês não
quiserem mais, não tem problema, vou fazer a devolução do dinheiro de
vocês'", relatou Elizangela.
Ainda segundo a assistente
social, na manhã do dia seguinte, Maria da Conceição saiu de Glória do Goitá e
nunca mais foi vista.
"Quando amanheceu o
dia, ela pediu para o esposo levar ela para Vitória, para a casa da irmã dela
antes das 6h. Quando chegaram lá, ela contou o que tinha acontecido. Diz ele
que não sabe de nada. Disse que não queria mais saber dela (...). A gente
dizia: 'Mas como você não sabe se o pix caía na sua conta?' E ele respondeu:
'Quem ficava com o cartão dessa conta era ela'", disse a profissional.
O que dizem a Faculdade
Esuda e a Vivo
Também procurada pelo g1, a
Faculdade Esuda disse que:
Repudiava a utilização
indevida do seu nome para fins ilícitos;
Não há e nunca houve
qualquer relação contratual ou de trabalho entre a professora e a instituição;
Não existe autorização para
que a mulher utilize o nome, a marca, o símbolo ou a imagem institucional da
faculdade;
O departamento jurídico está
monitorando o desdobramento do caso a fim de adotar as medidas judiciais
cabíveis, inclusive na esfera criminal.
Já a operadora de telefonia
Vivio informou que:
Não tem qualquer relação com
o trabalho da professora;
Repudia a utilização de seu
nome em apoio a projetos com fins ilícitos;
Está à disposição das
autoridades competentes "para fornecer informações que forem
necessárias". G1
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