Seis ex-ministros da Educação se reuniram na manhã desta
terça-feira (4) na USP para manifestar preocupação com as políticas voltadas
para educação do governo de Jair Bolsonaro.
O grupo entregou um documento em que defende a liberdade
de cátedra, autonomia acadêmica e se coloca contrário a "perseguição
ideológica" e aos cortes da pasta.
"Contingenciamentos ocorrem, mas em áreas como
educação e saúde, na magnitude que estão sendo apresentados, podem ter efeitos
irreversíveis e até fatais. (...) Cortar recursos da educação básica e do
ensino superior, no volume anunciado, deixará feridas que demorarão a ser
curadas", diz a nota.
Estiveram presentes os ex-ministros José Goldemberg
(governo Collor), Murílio Hingel (Itamar Franco), Cristovam Buarque (Lula),
Fernando Haddad (Lula e Dilma) e Aloizio Mercadante (Dilma). Renato Janine,
também ex-ministro de Dilma, organizou o encontro, realizado no Instituto de
Estudos Avançados da USP. Outros ex-ministros foram convidados, mas não
responderam ou não puderam comparecer.
Para os seis ex-ministros presentes, a educação deixou de
ser vista como uma promessa. "Vemos que, no atual governo, ela é
apresentada como ameaça".
Segundo a nota, é preciso respeitar a profissão docente,
"que não pode ser submetida a nenhuma perseguição ideológica".
"Convidar os alunos a filmarem os professores, para
puni-los, é uma medida que apenas piora a educação, submetendo-a a uma censura
inaceitável", afirmaram, no documento.
No encontro, os ex-ministros defenderam o que chamaram de
consenso sobre políticas públicas de educação, que seriam de Estado, não
sujeitas a governos. Afirmam que a educação depende da continuidade dessas
medidas já pactuadas entre atores de diferentes partidos e governos, nas
esferas municipais, estaduais e federais.
Os ex-ministros concordaram que a educação básica pública
deve ser a prioridade nacional. Pedem renovação e ampliação do Fundeb, o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação, que expira em 2020. "Sem ele, a situação do
ensino nos municípios e estados mais pobres, que já é inadequada, se tornará
desesperadora", diz a nota.
Além do documento, os ex-ministros dizem que vão
constituir um observatório da educação, para dialogar com a sociedade sobre os
desafios do setor.
O professor de ética e filosofia política da USP Renato
Janine Ribeiro disse que os ex-ministros compartilham "uma agenda
civilizatória", apesar das divergências e de terem participado de
"governos muito diferentes entre si".
Ele destacou que o país pode atrasar seu desenvolvimento
econômico se não investir em educação. "Aqui no Brasil temos uma situação
estranha de pessoas que se dizem liberais, mas que no entanto não dão essa
importância à educação e, ao contrário, pensam que o corte, mesmo em órgãos
vitais [da área], pode ser uma medida positiva para economia, o que certamente
não será".
Goldemberg, que foi reitor da USP e secretario durante o
governo de Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou que a liberdade de cátedra e a
autonomia dos professores "são inegociáveis". "O esforço [do
governo] está em aspectos secundários do problema, tais como filmar professores,
medidas de caráter completamente alheios ao que se entende por educação",
disse.
Goldemberg afirma que os ataques ao suposto marxismo das
universidades não são fundamentados, e as divergências ideológicas também
ocorrem nas ciências exatas. "Se fossem contar cabeças eu não sei se não
teria mais gente de direita do que de esquerda.
Se quisesse fazer um ataque bom [às universidades],
poderia se dizer que há partidos políticos que trazem para dentro das
universidades pautas que não são universitárias".
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CORTES NO ORÇAMENTO
Ele considera que otimizar recursos é "uma ideia
salutar" e gestores precisam fazer um esforço redobrado nesse sentido, mas
avalia que os cortes do governo federal não foram feitos de forma adequada.
No encontro, os ex-ministros defenderam a garantia de
verbas para a área. Murílio Hingel afirmou que acabar com as vinculações
orçamentárias, previstas na Constituição, prejudicaria a educação. "Esses
recursos são absolutamente indispensáveis".
O ex-senador Cristovam Buarque disse que o governo atual
coloca em risco conquistas de décadas. "Esse grupo, que deu a sua
contribuição, está aqui hoje porque nós sentimos uma ameaça a essa marcha que
foi feita ao longo das décadas, embora (a marcha tenha sido) em uma velocidade
menor do que gostaríamos".
Ele considera que o ensino pode sofrer com uma
"asfixia de recursos", provocada pela crise econômica e uma pouca
disposição do governo de privilegiar investimentos em educação.
O ex-senador também elencou outros problemas."Há um
risco da perda daquilo que nós construímos que é a escola laica, é um risco de
esse governo tentar colocar suas crenças religiosas no ensino. Outro é querer
fazer da educação um aparelho ideológico para vender as ideias que as pessoas
desse governo têm", disse.
Cristovam fez críticas à escolha dos nomes para chefiar a
pasta. "Quem encarna a educação em cada governo é o ministro. Hoje a
educação está sendo debochada pela qualidade, entre aspas, dos ministros que
nós tivemos nesses meses".
Para Fernando Haddad, que foi candidato do PT à
Presidência em 2018, "o alarme soou no Brasil já em várias áreas" e
mencionou manifestações de ex-ministros da Justiça e do Meio Ambiente.
"Infelizmente não está sendo diferente na educação".
Ele afirma que as políticas educacionais não podem ser
"objeto de rinhas partidárias e de disputas menores". Haddad levantou
dois pontos considerados emergenciais: o Fundeb e a autonomia universitária,
que, segundo ele, está sofrendo "verdadeiros atentados retóricos" por
parte do ministério.
Aloizio Mercadante disse que há um risco de
"desmonte da educação pública". "Há claramente um ataque
verbalizado, sistemático em várias frentes à instituição universitária como
tal, como se ela fosse uma ameaça ao projeto que aí está".
Ele classificou o encontro desta terça como mais um
alerta para o governo, bem como as manifestações pela educação. Caso a gestão
não reveja as medidas, avalia, o ministro pode perder o cargo. "É só o
apito da panela de pressão e, não vai demorar muito, o ministro corre o risco
de fazer parte aqui do observatório dos ex. Espero que ele reveja e reflita
sobre as sinceras recomendações que aqui fizemos".
Fonte: Diário de Pernambuco