A madrugada pode até ser um
período de descanso para muitas pessoas, mas, para Edna Souza, de 61 anos, é um
turno de muito trabalho pelas ruas da Região Metropolitana do Recife. Conhecida
pelos clientes como a ‘Vovó do Uber’, ela se sente realizada por trabalhar à
noite e por encontrar, em cada passageiro, um personagem diferente para sua
coleção de memórias. Além da água, dos bombons, e até mesmo de remédios para
ressaca, a gentileza e o bom humor da motorista são o principal atrativo para
os clientes.
Aposentada, ela recorreu ao
aplicativo de transporte particular de passageiros para tirar o nome do
vermelho. “Eu vendia semijoias e algumas pessoas que me compraram em 2015 não
me pagaram. Tive um prejuízo de R$ 5 mil. Perdi cartão de crédito, plano de
saúde e precisei fazer alguma coisa para pagar as dívidas. Só a aposentadoria
não é suficiente”, explica.
Autodeclarada uma mulher de
força de vontade e de perseverança, ela começou a produzir pizzas e salgados
para vender, mas queria mais do que isso para si mesma: liberdade. Corrida após
corrida, a aposentada se deu conta de que a realização pessoal estava bem ali,
na garagem de casa. Apesar do receio das filhas devido ao impasse com taxistas,
ela não desistiu da ideia, aprendeu a usar o aplicativo e, enfim, encarou o
desafio.
Acostumada a levar e a
buscar passageiros em festas, ela não oferece somente água e bombons, mas
também comprimidos de paracetamol, dipirona e remédios para 'ressaca'.
"Também ofereço boas conversas aos passageiros", comenta.
Edna ficou conhecida como a
'Vovó do Uber' no Recife (Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press) Edna ficou
conhecida como a 'Vovó do Uber' no Recife (Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press)
Há quase nove meses
dirigindo pelas madrugadas em busca de passageiros no Grande Recife, Edna não
se sente intimidada pela noite ou pela insegurança, motivo de queixa de vários
pernambucanos. “Só tenho medo de subir ladeira”, brinca. Mesmo com o GPS
indicando a direção errada vez ou outra, ela acredita não ter motivos para
reclamar do que faz. As queixas são somente pelo corpo estar anos à frente da
idade da mente. “Tenho 61, mas minha cabeça é de uma mulher de 30”, brinca a
motorista.
As quatro hérnias de disco,
a bursite, a tendinite e a epicondilite atuam como um freio para o vigor de
Edna, mas são dribladas com maestria. Basta ajustar o assento do motorista para
a 'vovó' se sentir preparada para o expediente. No dia 1º de janeiro deste ano,
por exemplo, ela chegou a trabalhar por 13 horas seguidas. “Só parei para ir ao
banheiro e fazer um lanche”, conta. “Como dizem por aí: dou virote sexta,
sábado e domingo”, complementa, aos risos.
Pensamento positivo
Nem mesmo um acidente de
trânsito impediu a aposentada de continuar a transportar – e divertir –
passageiros. Numa infeliz madrugada de agosto do ano passado, Edna perdeu o
carro devido a uma batida em um cruzamento na Zona Norte do Recife. A motorista
não sofreu nenhum dano físico, mas, depois de a seguradora declarar perda total
do veículo, ela não conseguiu segurar as lágrimas por perder o ‘Negão’, apelido
dado ao carro companheiro de todas as noites.
“Eu não sou apegada às
coisas materiais, mas eu tinha um carinho muito grande pelo carro. Passei um
mês sem dirigir porque não tive como comprar outro veículo”, relembra.
Atualmente com um carro alugado, ela trabalha para comprar o próximo automóvel
e segue firme na proposta de distribuir gentileza e bom humor por onde passa.
“Tem gente que não interage
muito. Eu até tento puxar assunto, mas, quando vejo que as respostas são
curtas, acho melhor não continuar. Por outro lado, alguns passageiros elogiam a
música e a minha simpatia. Nessas horas, eu me sinto à vontade e até entro na
farra deles”, comenta.
Apaixonada pela noite, por
dança e por conhecer pessoas, ela se sente feliz por ter presenciado tantas
situações. “Nesses quase nove meses, já dá pra escrever um livro. É muita
história que ouço”, conta, grata por ter encontrado uma maneira de encarar o
ato involuntário de envelhecer. Fonte: G1PE