Você recebeu um e-mail, viu um link compartilhado ou
mesmo alguém te alertou.
- Cara, a Terra passará por um período de 6 dias de escuridão!
- Ah é? Esqueceram de pagar a conta?
- É sério, cara! A NASA confirmou! É uma tempestade solar, tem um site falando
sobre isso! A tempestade vai lançar uma grande nuvem de poeira sobre a Terra,
causando uma escuridão que vai durar seis dias! Não vai ser o fim do mundo, mas
vai causar medo, terror e o caos! A NASA falou, pode acreditar.
- Hmmm, sei não. Deixa eu ver o quê o Observatório tem a dizer sobre isso...
Opa, aqui estamos!
Pois é, essa história está se alastrando pelas redes sociais principalmente e
algumas pessoas já me procuraram para saber do que se trata. Em uma palavra:
lixo!
O tal "alerta" da NASA teria sido divulgado numa conferência ocorrida
no meio de outubro. Nesse comunicado, cientistas da agência espacial americana
estariam alertando para a ocorrência de uma tempestade solar violenta que
lançaria uma gigantesca nuvem de poeira sobre a Terra. Com isso, entre os dias
16 e 22 de dezembro, a Terra estaria imersa em profunda escuridão.
Primeiro aos fatos.
Nenhuma tempestade solar causa a formação e muito menos o lançamento de poeira.
Existem episódios de Ejeção de Massa Coronal (CME em inglês) quando o Sol
libera uma pequena nuvem de gás para o espaço, mas o gás não tem poeira, não
produz poeira e mesmo que atinja a Terra, não escurece o céu. Tanto a matéria
ejetada pelo Sol numa CME, quanto a radiação emitida numa explosão solar são
barradas pelo campo magnético da Terra ou pela alta atmosfera, que atuam como
um escudo. Nada disso vai causar qualquer efeito na superfície, ou seja,
nenhuma chance de um evento desses levantar a poeira do solo para produzir a
escuridão citada.
Outra coisa, para percorrer a distância entre o Sol e a Terra em 2 meses, de
acordo com o alerta, a tal nuvem de poeira teria que se deslocar a uma
velocidade de 28 km/s. Isso não é nada em termos do vento solar, que tem
valores médios de 400 km/s. Com uma velocidade tão baixa é provável que essa
nuvem nunca se desprendesse do Sol, seja ela composta de poeira, de gás ou de
qualquer coisa. Para se libertar da atração gravitacional do Sol qualquer coisa
precisa ter uma velocidade mínima de 618 km/s.
De argumentos científicos já está bem explicado, mas se alguém tiver a
curiosidade de fuçar mais um pouco e chegar no site que publicou o tal alerta
vai ver coisas interessantes. Os caras se embananam na hora de converter o
número de dias e as horas correspondentes que vai durar o período de escuridão.
Fazendo as contas, dá 3 dias, depois dá 9 dias e o anúncio fala em 6. Perdido
num cantinho tem uma nota dizendo que o site é "uma combinação de uma
notícia chocante real e entretenimento satírico para manter os visitantes em
estado de descrença." Sem falar no fato que esse "alerta" já foi
dado em 2011, foi requentado para o fim do mundo em 2012 e voltou agora em
2014.
Como eu havia dito, lixo!
Talvez esse boato tenha sido re-requentado por causa de uma notícia,
verdadeira, a respeito do Sol. Por esses dias, foi muito comentado o surgimento
de uma gigantesca mancha solar. Chamada de AR 2192, a mancha tem
aproximadamente o tamanho de Júpiter! Em condições favoráveis, seja com o uso
de filtros apropriados, ou naquelas horas do por do Sol em que ele fica bem
vermelho, já próximo do horizonte, a mancha podia ser vista a olho nu. Essa foi
a maior mancha solar já registrada desde 1990!
O Sol tem um ciclo de atividade magnética bem conhecido
com um período de mais ou menos 11 anos, alternando períodos de máximos e
mínimos. Esse períodos podem ser verificados através do número de manchas
solares, por exemplo. Mas os últimos ciclos têm sido muito esquisitos, o Sol
parece que não está seguindo o roteiro.
As manchas solares são região ativas do Sol e podem proporcionar eventos
violentos, como eventos rápidos e violentos de alta energia e CMEs, mas em
nenhum dos casos há formação ou ejeção de poeira. Uma região ativa como a AR
2192 poderia ter causado uma tempestade magnética e tanto, tivesse ela sofrido
uma erupção violenta. Nas aqui na Terra não seríamos afetados diretamente, como
eu já falei, o campo magnético terrestre e a atmosfera nos blindam desses
eventos, mas certamente sentiríamos os efeitos dessa explosão de modo indireto.
Nossa vida é profundamente dependente de equipamentos elétricos e eletrônicos.
Uma tempestade magnética muito intensa colocaria em risco os satélites em
órbita da Terra. Sempre que há algum risco em potencial, alguns satélites são
colocados em hibernação, desligando todos os sistemas não vitais para tentar
preservar a eletrônica. Os telescópios espaciais fazem isso sempre. Mas alguns
satélites não podem se dar ao luxo disso, como os satélites de comunicação e os
de GPS. Num evento muito energético, como uma explosão de classe X que esteja
voltada diretamente para a Terra, correríamos o sério risco de ficar sem
comunicação via satélite e perderíamos o posicionamento via GPS. Mais do que
bagunçar a procura por aquele restaurante bacana escondido em uma ruazinha
perdida na sua cidade, aviões e plataformas de petróleo ficariam literalmente à
deriva. Até mesmo comunicações via rádio de alta frequência seriam afetadas, causando
um blecaute em rádio. Estações e redes de transmissão de eletricidade em países
muito ao norte ou ao sul do planeta poderiam ser danificadas.
Muito catastróficas minhas previsões? Nem tanto, isso já ocorreu em menor
escala no passado, tipo a década de 1990, quando nossa dependência desses
sistemas era bem menor e por isso os efeitos não foram tão percebidos. Mas nós
quase passamos por isso recentemente!
Em julho de 2012 aconteceu uma super tempestade solar, a maior em 150 anos. A
nuvem de matéria ejetada pela CME passou muito perto da Terra, mas não a
atingiu. De acordo com um estudo publicado por Daniel Baker da Universidade do
Colorado em dezembro de 2013, se essa CME tivesse atingido a Terra, estaríamos
juntando os cacos até hoje! Muito provavelmente teríamos perdido uma boa pare
dos satélites de comunicação e até mesmo a internet teria sido derrubada.
Felizmente a AR 2192 já está fora da nossa linha de visada e já não oferece
nenhum risco. Em poucos dias, por causa da rotação do Sol, ela vai para a parte
de trás dele e deixará de ser vista. Como o período de rotação do Sol é de 25
dias, no final de novembro vamos ver se a AR 2192 ainda se mantém, mas o certo
é que nem ela, nem outra mancha vai fazer a Terra imergir em um período de
escuridão total. Avisa lá o seu colega que está espalhando o boato que ele pode
ficar tranquilo! Fonte: G1