Aos 83 anos, uma missionária tem construído um legado na
recuperação de viciados em drogas em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Noemy
Alves da Silva, chamada carinhosamente de vó ou tia Noemy, fundou o Ministério
Nova Vida e até hoje tem provocado um grande impacto na vida de dezenas de
jovens.
Antes de viver seu chamado em Deus, no entanto, a vida de
Noemy foi marcada por crises no casamento e pelo envolvimento com a umbanda.
“Nada limita a obra de Deus”, ela destaca em entrevista ao Guiame.
Noemy nasceu em Porto Alegre e cresceu cuidando de seus
vinte irmãos. Na juventude casou-se com Edemir Bandeira da Silva, mas teve com
ele um relacionamento conturbado. Aos cinco anos de casamento, com duas filhas
pequenas, ela cogitava a ideia de deixar o marido, mas sabia que a separação ia
contra os valores herdados por seus pais.
Embora a família tivesse uma boa condição financeira, já
que na época Edemir recebia um alto salário em uma multinacional, Noemy foi
tomada por uma crise de depressão. Ela procurou ajuda médica, mas o
profissional, que era espírita, deu a ela um diagnóstico incomum: Noemy teria o
potencial para se tornar uma grande médium.
Na busca de salvar o casamento, Noemy passou a se envolver
no espiritismo e, mais tarde, na umbanda. Seu envolvimento foi tão intenso que
ela chegou a ser consagrada na religião, em troca de falsas promessas.
“Lavaram a minha cabeça com sangue, afirmando que eu
deveria ser batizada na religião, pois meu casamento somente dessa forma iria
mudar”, conta. “Meu casamento em nada melhorou e meu marido acabou perdendo o
emprego de oito anos. Isto nos levou a maiores desentendimentos. Agora, já não
era somente eu a depressiva, mas meu marido também”.
Nesta época, Noemy conheceu um homem que se dizia
apaixonado e ela decidiu deixar seu marido e sua casa. Antes de se envolver com
este homem, ela chegou a marcar um encontro, que nunca se concretizou. Era dia
de seu aniversário e, ao invés do encontro, ela voltou para casa. Foi neste dia
que seu destino mudou.
No caminho de volta para casa, o carro de Noemy quebrou e
ela recebeu ajuda de um senhor que estava a pé. Quando o carro voltou a
funcionar, ela ofereceu carona. Ela estava tomada pela raiva e pela vergonha,
sentindo culpa pelo que planejava fazer naquele dia.
Noemy resolveu desabafar com aquele senhor, dizendo que
queria uma resposta de Deus. O homem então respondeu: “Deus fala, sim, e direto
com o nosso coração, através da Sua Palavra, a Bíblia”. Ao final da conversa, ele
se ofereceu para ir à casa de Noemy para explicar a Bíblia para ela e sua
família.
No dia em que haviam combinado, o homem apareceu na casa
de Noemy, depois de procurá-la de porta em porta, por todo o bairro. O homem,
chamado Orlando de Oliveira, era um pastor e começou a visitá-la semanalmente,
junto com sua esposa e irmãos da igreja.
No início Noemy resistiu aos encontros e começou a
desanimar, mas eles não desistiram. Ela decidiu frequentar a igreja e caminhar
com Jesus, levando consigo seus filhos e seu marido.
Chamado aos perdidos
Foi em uma pregação do pastor
David Wilkerson em Porto Alegre, em 1972, que Noemy conheceu o
ministério Desafio Jovem, que atua para resgatar jovens das drogas. Ela havia
se convertido há seis anos, mas ficou tocada ao ver jovens sendo libertos pelo
mover de Deus.
Naquele culto, ao lado de seu marido, Noemy sentiu um
ardente desejo de ajudar jovens a deixar as drogas. No fim da reunião, ela
chegou a dar dinheiro e seu endereço a um dos viciados que pediu ajuda, mas sua
atitude provocou uma discussão com Edemir.
“Ali Deus transformou a minha cabeça e eu comecei a ver
coisas que sequer entendia no momento. Meu marido, diferentemente, teve um
processo muito mais lento, mas nem por isto quero dizer que não foi um chamado
poderoso”, disse ao Guiame. “Entretanto, não posso omitir que trouxe várias
divergências e alguns problemas, algumas coisas eu sem dúvida teria feito
diferente”.
Dias depois, aquele jovem, chamado Miguel, apareceu na
pensão que Noemy administrava em Porto Alegre. Ele estava subnutrido por causa
das drogas, além de estar com doenças venéreas e problemas nos pulmões. Com a
permissão de seu marido, ela colocou o rapaz para dentro.
Noemy começou a participar de encontros do Desafio Jovem
e levou Miguel em algumas reuniões. O rapaz logo começou a evangelizar seus
colegas viciados e Noemy passou a reunir estes jovens. “Chegamos a ter 26
rapazes reunidos. O grande número não me assustava, pois eu sabia que era o
Senhor que estava fazendo a obra”, ela conta.
Por outro lado, Noemy lembra que iniciou a obra de Deus
sem a aprovação de Edemir. Ela chegou a fazer as reuniões de oração com os
rapazes às escondidas, já que seu marido não concordava. Olhando para trás, ela
se arrepende de algumas de suas decisões.
Mas houve um ponto de virada, quando Noemy disse que
pretendia parar o ministério, para não ser rebelde e evitar problemas para sua
família. Foi quando seu marido disse: “Não, esse ministério é de Deus e Ele te
chamou. Você deve prosseguir!”. Edemir caminhou ao lado dela na obra com os
viciados e faleceu em dezembro de 2017.
Dificuldades na família
O trabalho na pensão foi crescendo, mas as dificuldades
foram surgindo. Além da falta de verba para sustentar os rapazes, os hóspedes
da pensão decidiram ir embora, pois não queriam compartilhar o local com os
viciados.
Noemy decidiu pedir ajuda na igreja e um político que
estava presente a chamou para uma reunião. A proposta da prefeitura era
entregar uma casa para vários líderes cristãos de Porto Alegre, mas Noemy não
sentiu paz em aceitar.
Ela passou dois anos dedicando-se aos seus filhos e
marido, e o trabalho realizado em parceria entre líderes cristãos e prefeitura
não vingou.
Mais tarde, uma de suas filhas, Inez, de 15 anos, passou
a apresentar um comportamento esquisito. Com sua experiência anterior, Noemy
comprovou sua suspeita: sua filha estava usando drogas. A filha mais nova,
Pepita, de 13 anos, também começou a ser usuária.
Noemy pediu ajuda a irmãos na fé, mas recebeu muitas
condenações e críticas — muitos diziam que o trabalho com os viciados era a
causa da situação de suas filhas. Mesmo com tantos problemas, em um momento de
oração, Deus confortou seu coração e disse que iria libertá-las.
“Eu orava muito pela libertação das minhas duas filhas e,
quando me colocava em oração, Deus me dizia: ‘Não somente libertarei suas
filhas, como também muitos serão libertos através da obra que farei em sua
vida’”, conta Noemy.
Inez estava fora já de casa havia algumas semanas, quando
Noemy fez uma oração especial: se Inez voltasse para casa, ela entenderia
aquilo como um sinal para voltar a trabalhar com viciados em drogas.
Depois de vários meses fora de casa, Inez voltou pedindo
ajuda e passou um período em recuperação em Brasília. Sua outra filha, Pepita,
demorou um pouco mais para sair das drogas, pois havia se casado com um
viciado. Hoje ela é recuperada e tem uma vida com Deus.
Missão retomada
Quando retomou o trabalho com os viciados, por três anos,
Noemy passou a fazer uma triagem com os jovens e encaminhá-los para casas de
recuperação em Belo Horizonte (MG), Maringá (PR) e Brasília (DF), já que não
havia projetos semelhantes no Rio Grande do Sul.
Como ainda não estavam libertos, no entanto, eles
passaram a causar problemas nos lugares onde ficavam. A única opção que Noemy
encontrou foi colocar os garotos em sua própria casa.
Ela colocou umas barracas no quintal, mas os problemas se
agravaram. Alguns dos rapazes começaram furtar sua própria casa, para comprar
drogas que usavam lá mesmo. Era necessário um local apropriado para
colocar os rapazes.
Depois de ser convidada para uma entrevista transmitida
por rádio, o então governador do RS na década de 1980, Jair Soares, convidou
Noemy para uma reunião. No encontro, ele ofereceu o aluguel de uma casa e, ao
final de um ano, ofereceria um sítio, pois confiava na obra que Deus estava
começando.
Noemy abrigou os rapazes naquela casa durante um ano, mas
depois passou a pagar o aluguel sozinha. O governador telefonou novamente, para
cumprir a promessa da doação do sítio, mas ela não sentiu paz em receber aquela
ajuda.
Além dos problemas financeiros, Noemy também teve que
lidar com muitas críticas de irmãos da igreja na sua cidade. A única ajuda que
recebeu veio de pastores e amigos do Norte e Centro-Oeste do País. Para ela, no
entanto, “nada limita a obra de Deus”.
“É verdade que houve muitas dificuldades, muito sofrimento
pessoal. Principalmente até entender que Deus é soberano sobre todas as coisas
e a minha dependência total Dele. Mas nunca a obra de Deus vai ser prejudicada
por alguma ação humana. Nós só temos o privilégio de participar da obra de Deus
e ser útil na obra de Deus ou não seremos nada! Não está em nós o poder de
prejudicar qualquer plano de Deus. Porque o plano de Deus sempre vai se
cumprir”, afirma Noemy.
“Eu louvo a Deus por tudo... Pois se não tivesse sido
como foi, não seríamos o que somos hoje. Nossos princípios, nossos valores, e a
inequívoca certeza que nossa dependência está em Deus”, acrescenta.
Um novo começo
Movida pelo desejo de encontrar um local apropriado para
recuperar viciados, Noemy deu um passo de fé e, em 1985, comprou uma chácara que
leva o nome “Nova Vida”, na cidade de Sertão Santana, a 85 km de Porto Alegre.
O trabalho de recuperação começou com nove rapazes. Na
segunda turma, eram dezesseis garotos. Logo, este número começou a aumentar.
Muitos deles se tornaram pastores, evangelistas, pais de famílias e passaram a
trabalhar no próprio ministério.
Atualmente o trabalho com a produção e venda de quindins
cobre entre 80% a 90% das despesas, o restante vem de ofertas.
Com base em sua experiência, Noemy explica que o vício em
drogas não a doença em si, mas sim um sintoma “da doença de toda a humanidade
que se afastou de Deus”. Reconhecer a total necessidade de Deus e que toda a
sua família do viciado precisa de cura, são elementos indispensáveis para uma
verdadeira libertação, explica a missionária.
Olhando para a sua trajetória, a principal lição
aprendida por Noemy é se tornou um lema em seu ministério: “Deus existe... e eu
não sou Ele”.
“Quando ficamos ansiosos, com medo, quase em pânico por
alguma situação que ocorre além das nossas forças... A raiz disso não é duvidar
da existência de um Deus que tudo vê, tudo pode e nos ama sem medida?”,
questiona. “Não estamos esquecendo que nós não somos Deus?”
“Então se algum legado eu quero deixar para os meus
filhos e mensagem para os irmãos que estão lendo essa entrevista é nunca, nem
por um segundo, e nem por uma medida mínima, esqueça que Deus existe e que você
não é Ele”, destaca. Fonte: Guiame
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