O Globo - Carolina Brígido
Ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cogitam
adiar as eleições municipais de outubro para dezembro, devido à pandemia do
coronavírus. A decisão sobre a data das votações deve ser tomada entre fim de
maio e início de junho, a depender da situação sanitária do país. Ainda que o
quadro não esteja definido, os ministros descartam a possibilidade de
prorrogação dos mandatos atuais. Isso aconteceria se as eleições fossem
reagendadas para 2021. Ou, ainda, se houvesse unificação com as eleições gerais
de 2022.
— A saúde pública, a saúde da população é o bem maior a
ser preservado. Por isso, no momento certo será preciso fazer uma avaliação
criteriosa acerca desse tema do adiamento das eleições. Mas nós estamos em
abril. O debate ainda é precoce. Não há certeza de como a contaminação vai
evoluir. Na hipótese de adiamento, ele deve ser pelo período mínimo necessário
para que as eleições possam se realizar com segurança para a população. Estamos
falando de semanas, talvez dezembro — disse o ministro Luís Roberto Barroso,
que vai presidir o TSE a partir de maio.
O ministro afirmou que eventual prorrogação de mandatos
não está sendo cogitada na Corte, porque violaria a Constituição Federal.
— A ideia de prorrogação de mandatos dos atuais prefeitos
e vereadores até 2022 não me parece boa. Do ponto de vista da democracia, a
prorrogação frauda o mandato dado pelo eleitor, que era de quatro anos, e priva
esse mesmo eleitor do direito de votar pela renovação dos dirigentes
municipais. Se for inevitável adiar as eleições, o ideal é que elas sejam ainda
este ano, para que não seja necessária a prorrogação de mandatos dos atuais
prefeitos e vereadores — declarou.
Barroso acrescentou que unificar as eleições municipais
com a disputa nacional de 2022 seria prejudicial por outro motivo: os temas a
serem tratados nas campanhas são totalmente diferentes. A disputa nos
municípios é mais voltada para assuntos locais, como transportes, planejamento
da cidade e limpeza urbana. Já a eleição geral trata de temas de interesse
nacional, como política econômica e programas sociais. Além disso, unir
eleições locais e nacionais seria inviável operacionalmente.
— As eleições municipais deverão mobilizar 750 mil
candidatos, cujas candidaturas precisam ser objeto de registro e que, em caso
de impugnação, precisam ser decididas pela Justiça Eleitoral. Já é um número
muito expressivo. Juntar a eles os questionamentos de registros de candidaturas
à Presidência da República, ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados e às
Assembleias Legislativas significa criar imensas dificuldades para a
administração do pleito pela Justiça Eleitoral. Um verdadeiro inferno gerencial
— afirmou.
Barroso lembrou que houve prorrogação de mandatos durante
a ditadura militar, quando uma emenda constitucional estendeu até 1982 o
mandato de prefeitos e vereadores eleitos em 1976, e que deveria terminar em
1980.
— Não custa lembrar que nesse meio tempo, o Congresso
Nacional foi fechado, com base no AI-5, para outorga do chamado Pacote de
Abril, um conjunto de medidas eleitorais igualmente casuísticas. E a campanha
eleitoral se desenvolveu sob a égide da Lei Falcão, que somente permitia a
exibição, na TV, da foto do candidato, sem direito a fala — observou.
Embora não esteja definido se as eleições serão mesmo
adiadas, providências que precisam ser tomadas pela Justiça Eleitoral antes da
votação já foram suspensas, por conta do coronavírus. A maioria dos técnicos do
tribunal está trabalhando remotamente. Por isso, não foi possível realizar um
teste agendado para meados de março. Há outro teste marcado para depois da
Semana Santa, que também deverá ser adiado.
Os testes são de software e também do sistema operacional
da urna. Além disso, há outros testes fundamentais que precisam ser realizados
antes da votação, como simulações da eleição e totalização de votos. Também
está suspenso o treinamento dos cerca de 2 milhões de mesários que atuarão nas
votações, o que também prejudica o calendário da Justiça Eleitoral.
Técnicos do TSE ouvidos pelo GLOBO também apontam uma
outra questão: ainda que a eleição seja adiada para dezembro, existe uma série
de providências que precisam ser tomadas depois das votações que precisariam
ser ajustadas. Antes das posses dos eleitos, em 1º de janeiro, os candidatos
devem apresentar prestações de contas e essas contas precisam ser analisadas
pela Justiça Eleitoral. Em seguida, vem a diplomação dos candidatos. E, por
último, a posse. Para os técnicos, a definição da data da eleição é fundamental
para fazer esse planejamento.
Em nota, a atual presidente do TSE, ministra Rosa Weber,
declarou que não cogitava adiar as eleições de outubro por conta do
coronavírus. Disse que o debate ainda era “precoce”. Barroso também tinha se
pronunciado nesse sentido. Mas, diante do avanço da Covid-19 no Brasil, as
conversas entre ministros tomaram outro rumo.
Por lei, as convenções partidárias estão agendadas para
agosto. É o início oficial do processo eleitoral. A depender do cenário da
pandemia, não teria como realizar as convenções na data prevista. Nem tampouco
as campanhas, que começam depois das convenções - ao menos nos moldes
conhecidos. Eleições pressupõem o contato entre as pessoas. Não seria possível
substituir isso por uma videoconferência, na visão de ministros.
No TSE, também estão sendo discutidas formas de se fazer
campanha sem aglomeração, caso não sejam adiadas a votação. Se essa hipótese
seguir adiante, as campanhas deste ano serão as primeiras sem o chamado corpo a
corpo. Os ministros também conversam sobre as zonas eleitorais. A dúvida é como
realizar eleições sem fila para votar, ou com o menor número possível de
pessoas reunidas.
Ministros ouvidos pelo GLOBO lembraram que a definição da
data das eleições não está somente nas mãos do TSE. O Congresso Nacional
poderia aprovar uma proposta de emenda constitucional para mudar o calendário
eleitoral. E, se for necessário adiar a posse dos eleitos, por conta das
providências a serem tomadas depois da votação, também caberá aos parlamentares
aprovar nova data.
— A palavra final na matéria será do Congresso Nacional,
a quem cabe aprovar emenda constitucional a respeito, se vier a ser o caso —
concluiu Barroso.
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