Um dos símbolos do movimento antissistema que elegeu Jair Bolsonaro,
Tiririca (PL-SP) diz que o presidente da República repete o mesmo erro que ele
cometeu ao chegar na Câmara em 2011 como o deputado federal mais votado do
país.
O 1,35 milhão de votos o fazia se sentir "foda", em suas
palavras. "Quando chegar lá vou aprovar projeto pra caramba."
Oito anos depois, e em seu terceiro mandato, Tiririca só teve um projeto
que virou lei até hoje –ainda assim, de autoria dividida com outros 62
deputados (o que cria o Programa de Cultura do Trabalhador).
"Quando eu cheguei aqui foi um choque", diz o deputado, para
quem Bolsonaro está com a mesma "pegada".
"Tá faltando a galera pra chegar e dizer: 'Irmão, senta aqui. Cara,
tu não é deputado. É o país, irmão. Assim não vai. É assim, assim e assim...'
Se ele não sair do pedestal, ele vai ser o pior governo que já tivemos em todos
os tempos."
Qual
diferença o sr. vê entre esse governo e os anteriores, na relação com o
Congresso?
TIRIRICA - Você viu como nosso presidente foi eleito, né? Ele veio com
um discurso de política nova e tá caindo na mesma coisa. Porque não existe
política nova nem política velha, a política é a política.
Então, é assim: ele entrou com esses negócios das armas, porque foi
eleito também por esse motivo, e já recuou [diante da pressão do Congresso,
alterou decretos de flexibilização do uso das armas]. Por que? Porque tá vendo
que o caminho não é por aí. Aqui é o Parlamento.
O
sr. acha então que ele está caminhando para a mesma relação de antes com o
Congresso?
TIRIRICA - Ele veio com um discurso, foi eleito com um discurso, já está
mudando o discurso, é isso que eu vejo. Por que? A vida da gente é uma
política. Então tem que ter diálogo. Eu sou comediante, aí dizem: mas a comédia
lá de trás é diferente da de hoje. É a mesma coisa, só adaptou, só tem uma
linguagem diferente.
Antigamente era "paquera". Hoje é "ficar", é
"crush", é essa pegada aí. Ele chegou com um discurso bacana, bonito,
mas não rola assim, papai. Eu tô no meu terceiro mandato. Eu vim numa
brincadeira. Eu tava mal das pernas e eu disse: se eu fizer isso, eleito eu não
vou ser, mas pelo menos vou divulgar e vou vender show pra caramba! Eu vim
nessa pegada. Quando vi, um milhão e trezentos e cinquenta mil votos.
Eu disse, "epa, o que é isso?" Parei, nããão, não posso brincar
com uma pegada dessa. Aí disse: quando chegar lá vou aprovar projeto pra
caramba. Eu pensei que era assim. Quando eu cheguei aqui, foi um choque. Ele se
sentiu nessa pegada. "Sou presidente e eu posso tudo." E não é assim.
Quando
tempo você levou para "cair na real"?
TIRIRICA - Eu passei três meses nessa pegada, quase entro em depressão,
fiquei tomando remédio, fui na coisa de médico que tem aqui. E aí, eu,
"pá": eu vou brigar pra quê? Eu vou fazer o meu. Eu sou pago pra quê?
Apresentar projeto, votar de acordo com o povo, porque foi o povo que me
colocou aqui. Isso sou eu. Quando eu cheguei aqui, eu era, sabe, tipo, "eu
sou foda e tal".
E [hoje] todo mundo me respeita numa boa. To cagando e andando pra quem
faz discurso lá [aponta a tribuna –a entrevista ocorreu no fundo do plenário da
Câmara], eu não vou. Enganar eu sei, enganar o povo eu sei. Eu vou vou enganar
o povo? Se eu vim do povo, eu sei o que o povo passa.
Eu vou fazer o meu. Aprovar projeto não depende de mim, depende do toma
lá dá cá, que não é negócio de dinheiro, é: tu apoia o meu projeto que eu apoio
o teu, é assim que funciona aqui.
E as
emendas, cargos?
TIRIRICA - As emendas, não, eu não trabalho em cima disso não.
O
sr. acha que está voltando à mesma situação?
TIRIRICA - Se não tá voltando, tem que voltar, senão vai ser o pior
governo que já passou pelo nosso país. [a assessora interrompe: "Diálogo,
ele acha que tem que ter diálogo"] Diálogo, é isso que tem que ter.
Não é que eu sou o cara. Eu não sou o cara. Ninguém é o cara, irmão. Não
é ele chegar e dizer, "Quero isso... Derrubaram [o Senado rejeitou o
decreto das armas], aí ele teve que voltar atrás. A galera não gosta do cara
que quer ser ditador. A política não é de agora. A nossa vida é uma política.
Sou casado há 22 anos. Para você segurar um casamento de 22 anos, meu irmão, tu
tem que ser político. "Não, cê tá certa, realmente essa mesa nesse canto
vai ficar legal."
No
discurso de campanha e após eleito, Bolsonaro disse que acabaria com esse
negócio de dar emenda e cargo para deputado, ele fez isso mesmo?
TIRIRICA - Cê tá vendo se acabou? Cê acha que acabou? É o que o nosso
presidente aqui [da Câmara, Rodrigo Maia] falava. Eu quero que ele me diga o
que é a política nova. Qual é a política nova que eu não sei qual é. Ou ele faz
isso que ele fez, e teve que recuar com o negócio das armas, já teve várias
derrotas aqui, ou faz a política que é política, não é negócio de esquema de
dinheiro.
É troca de favores. Tem que existir, cara, tem que existir troca de
favores [enfatiza as palavras com as mãos juntas]. To falando não aqui [aponta
para o plenário], porque não jogo nessa pegada. Os caras me respeitam, não
chegam me oferecendo nada, não me meto. Não to nem aí se eles fazem e se
queimam ou não. Faço o meu e estamos conversados. Não é negócio de dinheiro, meu
irmão, é diálogo, diálogo.
Favor
em que sentido?
TIRIRICA - [assessora interrompe: "Não, em termos de apoio, em
projeto, ceder..."] Tu tem que ceder. Ele não sabe tudo, ninguém sabe
tudo. E outra coisa: conversando com um filho meu, não o Tirulipa [também
comediante], outro que não é envolvido nessa pegada. Ele disse, "pai, tu
tem que tirar o chapéu pra galera que faz... [para a assessora] tu é o quê
minha? Assessora de imprensa. Tem que tirar o chapéu para a assessoria de
imprensa do lado do marketing, porque estão popularizando ele, tentando
popularizar um cara que não é popular. Ele vai no [programa do] Ratinho, no
Silvio [Santos], no Tom [Cavalcante], na Luciana Gimenez... [volta-se novamente
à assessora] Como chama isso aí? Marqueteiro. Ó, eu tiro o chapéu porque ele
não tá nesse nível ai.
Ele não é um cara popular, o discurso dele não é popular. Agora, tá
faltando a galera pra chegar e dizer: "Irmão, senta aqui. Cara, tu não é
deputado. É o país, irmão. Assim não vai. É assim, assim e assim..." Se
ele não sair do pedestal, ele vai ser o pior governo que já tivemos em todos os
tempos.