Em depoimento no Senado para explicar a troca de
mensagens vazadas com o procurador Deltan Dallagnol, chefe da Lava Jato, o
ministro Sergio Moro (Justiça) admitiu, pela primeira vez, a possibilidade de
deixar o posto no governo de Jair Bolsonaro (PSL) caso sejam apontadas
irregularidades em sua conduta.
"Não tenho nenhum apego pelo cargo em si. Se houver
alguma irregularidade da minha parte, eu saio", disse o ministro ao ser
questionado pelo senador Jaques Wagner (PT-BA) sobre a possibilidade de deixar
o posto para que se garanta a isenção em eventual investigações sobre sua
conduta como juiz da Operação Lava Jato.
Mais cedo, Moro afirmou que sempre agiu conforme a lei,
tratou como naturais conversas entre juízes, promotores e advogados e disse não
poder garantir a veracidade dos diálogos divulgados pelo site The Intercept
Brasil.
Nesta quarta (19), desde às 9h, Moro presta
esclarecimentos à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Na
sessão, travou embates com senadores petistas e afirmou ainda ser alvo de um
ataque hacker que mira as instituições e que tem como objetivo anular
condenações por corrupção.
A sessão tem sido marcada por embates com senadores do
PT, que questionam as ações do ministro diante da força-tarefa da Lava Jato.
"Estou absolutamente tranquilo em relação à conduta que realizei como
juiz. Houve aplicação imparcial da lei em casos graves de corrupção e lavagem
de dinheiro."
Moro se ofereceu para ir à CCJ para esfriar o trabalho de
coleta de assinaturas para a criação de uma CPI para investigá-lo. Ao iniciar
sua fala, disse não ter nada a esconder, que gostaria de fazer esclarecimentos
"em cima do sensacionalismo que tem sido criado" e focou a defesa da
Lava Jato.
"Se falou muito em conluio. Aqui um indicativo de
que não houve conluio nenhum", afirmou, ao citar embates com a
Procuradoria. "É normal no Brasil esses contatos entre juiz, advogado e
Ministério Público ou policiais. O que tem que ser avaliado é o conteúdo destes
contatos."
Nas conversas publicadas pelo site Intercept, Moro sugere
ao Ministério Público Federal trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobra a
realização de novas operações, dá conselhos e pistas, antecipa ao menos uma
decisão judicial e propõe aos procuradores uma ação contra o que chamou de
"showzinho" da defesa do ex-presidente Lula.
Segundo a legislação, é papel do juiz se manter imparcial
diante da acusação e da defesa. Juízes que estão de alguma forma comprometidos
com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de
julgar a ação. Quando isso acontece, o caso é enviado para outro magistrado.
As conversas entre Moro e a Lava Jato também provocaram
reação no STF. Na semana que vem, dia 25 (terça-feira), um pedido dos advogados
de Lula pela anulação do processo do tríplex em Guarujá (SP), que levou o
petista à prisão em abril do ano passado, será analisado pela Segundo Turma da
corte.
Após ser anunciado como um dos principais nomes do novo
governo, o ex-juiz acumulou derrotas em menos de seis meses mandato. Sob
desgaste devido à divulgação de mensagens do período da Lava Jato, ainda teve
que aguardar a cautela de Bolsonaro em defendê-lo abertamente.
O presidente chegou a manter silêncio por três dias e, no
último sábado (15), embora tenha defendido o legado de Moro, afirmou que não
existe confiança 100%. "Meu pai dizia para mim: Confie 100% só em mim e
minha mãe", disse Bolsonaro.
Na audiência no Senado, Moro tentou reforçar o discurso
de que a crise esperada com a divulgação das conversas não prosperou já que,
para ele, os diálogos não mostram nada mais que a atividade normal de um juiz.
Moro citou mais de uma vez artigo de Matthew Stephenson,
professor de direito em Harvard, cujo título é "O Incrível Escândalo que
Encolheu? Novas Reflexões sobre o Vazamento da Lava Jato".
O texto, publicado no blog Global Anticorruption,
Stephenson elenca motivos pelos quais mudou de opinião sobre a série de
reportagens do The Intercept. "Tendo a pensar que esse 'escândalo' é
consideravelmente menos escandaloso do que o Intercept relatou ou do que eu
acreditava originalmente."
Moro tem recorrido ao artigo durante a audiência para
reafirmar seu discurso de que, "tirando o sensacionalismo", as
conversas não revelam nenhuma ilegalidade.
Ao longo de seu depoimento, Moro repetiu diversas vezes
não poder confirmar a veracidade das mensagens, mas relativizou algumas delas,
como a que cita o ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal). O
ministro disse não ver problema na mensagem "in Fux we trust" (em Fux
confiamos).
"Posso ter mandado. Qual o problema de uma mensagem
assim? Eu confio no Supremo, confio na instituição", afirmou.
No início da audiência, Moro afirmou que "ainda que
tenha alguma coisa verdadeira, essas mensagens podem ser total ou parcialmente
alteradas para caracterizar uma situação de escândalo".
O clima de tensão seguiu durante os questionamentos
feitos pelo líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), que acusou Moro de
sensacionalismo na Lava Jato, disse não ser possível que o ministro não lembre
de algumas das conversas e questionou se o ministro estava a serviço de algum
projeto político.
"Estou absolutamente tranquilo em relação à conduta
que realizei como juiz. Houve aplicação imparcial da lei em casos graves de
corrupção e lavagem de dinheiro", afirmou.
O ex-juiz da Lava Jato disse que a operação atingiu
"vários partidos" e que "não teve nenhum projeto político
envolvido". Disse ainda que as acusações de Humberto Costa eram
"bastante ofensivas". "Eu vou declinar de responder",
reagiu o ministro.
O ministro também foi alvo de provocações, como quando o
senador Otto Alencar (PSD-BA) disse, ironicamente, que era exigir demais que
Moro se lembrasse das conversas. "Não exijam muito da memória do ministro.
Ele tem péssima memória."
Moro também reagiu com rispidez em alguns momentos. Ao
ser indagado pela segunda vez pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA) se
autorizaria que o Telegram divulgasse as mensagens, afirmou que o parlamentar
"deveria se informar melhor".
Mas houve espaço para brincadeira. "Hoje não tenho
controle do meu Telegram, está lá com o hacker", disse sorrindo ao
responder o senador Marcos Rogério (DEM-RO). Ao comentar as mensagens, o
senador disse que "se houve excessos, vocês são seres humanos e podem
cometer erros, sim".
Em um tom duro contra a atuação de Moro (Justiça), o
senador Cid Gomes (PDT-CE) disse que Moro, enquanto juiz da Lava Jato, tinha
postura "de querer aparecer, se colocar como salvador da pátria" e
que, atualmente, ninguém fala no nome de quem o sucedeu na 13ª Vara de
Curitiba. "Eu dou um doce a quem disser o nome do atual juiz."
Mais cedo, Moro afirmou que o país não precisa de heróis,
mas de instituições fortes, e negou que tenha atuado politicamente na Lava
Jato.
"Nunca atuei nestes processos movido por questão
ideológica ou político-partidária. O fato de ter emitido sentenças a agentes
políticos me trouxe dissabores, me trouxe pesos. Sou constantemente atacado há
quatro, cinco anos, por ter cumprido meu dever", afirmou.
Cid Gomes também propôs que o Congresso instale uma CPI
para apurar a conduta o ex-juiz à frente dos processos da Lava Jato. Ele também
defendeu que os parlamentares abram uma investigação "isenta e
imparcial" sobre o autor dos vazamentos e sobre a segurança das comunicações
no país.
Primeiro a propor a CPI, o senador Angelo Coronel disse
que considera retomar a coleta de assinaturas após a vinda de Deltan Dallagnol
à CCJ. O procurador foi convidado à comissão, mas ainda não confirmou presença.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) lançou provocações a
Moro e disse que não prejulgaria o ministro.
"Defendo sua presunção de inocência, o direito de
defesa e acho, mais do que isso, que o senhor não está obrigado a responder
sobre questões concretas destes vazamentos, mas são coisas graves", disse
Renan, que, pedindo desculpas pela "coincidência", afirmou ter 13
(número do PT do ex-presidente Lula) perguntas ao ex-juiz.
Moro repetiu ter havido "um sensacionalismo
exacerbado" na divulgação das conversas e, pela quarta vez, citou o artigo
de Matthew Stephenson.
Na tentativa de encurralar o ministro, Renan perguntou a
Moro o que ele pensava sobre o pacote de dez medidas contra a corrupção, no
qual haveria previsão para usar os vazamentos na Justiça.
"Sobre as dez medidas, precisava reavivar minha
memória", esquivou-se Moro.
ATAQUE HACKER
Durante a sessão, Moro também deu detalhes do ataque
hacker de que foi vítima há algumas semanas.
Afirmou que, em 4 de junho, por volta das 18h, seu
próprio número o telefonou três vezes. Segundo a Polícia Federal, os invasores
não roubaram dados do aparelho do ministro -apenas o procurador Deltan
Dallagnol teve informações captadas durante o ataque que sofreu.
Moro afirmou ainda que deixou de usar o Telegram, de onde
as mensagens vazadas foram extraídas, em 2017, quando houve notícias de ataques
hackers nas eleições dos Estados Unidos e ele começou a desconfiar da segurança
do aplicativo, que tem origem russa.
O pacote de diálogos que veio à tona inclui mensagens
privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram de 2015 a 2018. As
mensagens, segundo o site, foram entregues à reportagem por fonte anônima.
No Senado, Moro falou que houve interação de seu número
com uma apresentadora de TV do Paraná.
"Chamamos a PF, no mesmo dia, a PF examinou meu
aparelho celular. Entreguei meu celular à polícia para fazer exame. Não tenho
nenhum receio em relação ao que tem dentro daquele aparelho", disse Moro,
reforçando haver autonomia na investigação da Polícia Federal.
O ministro afirmou acreditar ser alvo da atuação de um
grupo criminoso, pois "quem faz isso não é um adolescente com espinha na
frente do computador".
Fonte: Diário de Pernambuco