Pressionada, em meio a desculpas e promessas de
"tolerância zero", a Igreja Católica começa, nesta quinta-feira
(21/2), a maior cúpula de sua história sobre abusos sexuais, reunindo no Vaticano
190 religiosos, inclu0indo 114 representantes das conferências episcopais do
mundo todo, como a brasileira CNBB. Na quarta-feira (20/2, o diário espanhol El
Pais informou, com base em dados exclusivos, que o Vaticano recebeu 900
denúncias sobre o tema somente no ano passado - maior número já relatado.
Sem previsão de que seja redigida uma declaração oficial
ou se publiquem orientações formais, a expectativa é de que o papa Francisco -
em seus discursos nesta quinta e domingo - dê uma linha comum a bispos de todo
o mundo no enfrentamento do problema, destacando entre outros pontos a escuta
das vítimas - para a qual há um programa-piloto no Brasil.
A ideia é estimular a transparência ao tratar
investigações sobre abusos, disse Nelson Giovanelli Rosendo dos Santos,
representante do País na Comissão Pontifícia de Proteção ao Menor criada pelo
Vaticano. Segundo ele, a Igreja no Brasil já tem criado comissões e adotado
regras para coibir abusos, como o decreto assinado este mês pelo arcebispo da
Paraíba, d. Manoel Delson, que proibiu os padres de ficarem sozinhos com
menores e exigiu denúncia imediata de abusos.
No mês passado, a Arquidiocese foi condenada pela Justiça
a pagar R$ 12 milhões de indenização por exploração sexual cometida por padres
contra crianças e adolescentes. A Igreja nega o crime e vai recorrer.
"Essas medidas se inserem no contexto de tudo aquilo
pelo que a Igreja já está lutando há 30 anos. O papa quer que, em toda a
Igreja, no mundo inteiro, se adotem medidas", disse Rosendo. A Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) acaba de publicar um documento a respeito,
Cuidado pastoral das vítimas de abuso sexual. "Aguardamos a reunião a ser
realizada no Vaticano para dar novos passos", afirmou o presidente da
CNBB, cardeal Sergio da Rocha, antes de embarcar para Roma.
As movimentações pré-cúpula de muitas dioceses e
conferências pelo mundo indicam mudança no modo como a Igreja trata o problema.
O arcebispo Daniel N. DiNardo, presidente da conferência americana, deu uma
declaração oficial, dizendo que "os abusos não serão tolerados".
"Se você sofreu abuso sexual por parte de alguém dentro da Igreja
católica, peço-lhe para contatar a polícia local e sua diocese."
No entanto, essa prática de assumir responsabilidades não
era regra. Entre 1950 e 2013, só a Igreja americana recebeu cerca de 17 mil
denúncias de casos que envolveram cerca de 6,4 mil integrantes do clero. O
único número oficial já dado a respeito pelo Vaticano aponta para 3,4 mil
abusadores identificados até 2014 e 400 padres expulsos entre 2011 e 2012 - mas
nunca foram dados detalhes.
Dentro da Igreja, a maior resposta só veio no sábado
passado, com a inédita expulsão pelo papa do ex-cardeal e arcebispo emérito de
Washington (EUA) Theodore McCarrick, de 88 anos, acusado de abusos sexuais a
menores e seminaristas. "Não se vai resolver esse problema em três dias.
Servirá para nos conscientizarmos de que chegou o momento de nos
responsabilizarmos e fazer justiça", afirmou o arcebispo de Malta, Charles
Scicluna, homem de confiança do papa para investigar casos de abuso e um dos
conferencistas.
Nomes
A Diocese de Oakland (EUA) publicou, na terça-feira
(19/2), uma lista de 45 religiosos acusados "de forma crível" de ter
abusado de menores e como andam os processos contra eles. Também de forma
inédita, a Igreja no México admitiu ter punido 152 sacerdotes por abusos, sem
dar detalhes. A Igreja brasileira não divulgou relações de casos.
A informação é um passo, como admitem as vítimas e suas
famílias. "Queremos os nomes dos abusadores e de quem os encobriu. O
Vaticano tem essa lista", afirmou na Itália o americano Phil Saviano,
cujas denúncias de abuso sexual por parte do clero deram início às
investigações do jornal Boston Globe, que redundaram em uma série de
reportagens e no filme vencedor do Oscar de 2016, Spotlight.
No entorno do Vaticano, organizações internacionais têm
encontro paralelo. O movimento é dirigido pela Ending Clerical Abuse (Para pôr
fim aos abusos de religiosos, em livre tradução), organização surgida em junho
que já reúne vítimas de 21 países. "Meu agressor foi suspenso por três
anos e 'condenado' a pedir desculpas", diz o polonês Marek Lisinski, de 50
anos, um dos fundadores.
Na mesma linha, Saviano, da organização
BishopAccountability.org, teme que a cúpula vaticana não mude o modo de a
Igreja tratar o problema. "No máximo pode haver uma mudança tímida de
política", afirma a diretora Anne Barrett. (Com agências internacionais). Fonte: Diário de Pernambuco