BBC News
Em telegrama emitido, hoje, o Ministério das Relações
Exteriores pediu a diplomatas brasileiros que comuniquem à Organização das
Nações Unidas (ONU) que o Brasil saiu do Pacto Global para a Migração, ao qual
o país tinha aderido em dezembro, no fim do governo Michel Temer.
A BBC News Brasil teve acesso ao documento em que o
Ministério solicita às missões do Brasil na ONU e em Genebra a "informar,
por nota, respectivamente ao Secretário-Geral das Nações Unidas e ao
Diretor-Geral da Organização Internacional de Migração, ademais de quaisquer
outros interlocutores considerados relevantes, que o Brasil se dissocia do Pacto
Global para Migração Segura, Ordenada e Regular".
O documento diz, ainda, que o Brasil não deverá
"participar de qualquer atividade relacionada ao pacto ou à sua
implementação".
Procurado, o Itamaraty não confirmou a informação até a
publicação desta reportagem. Porém, diplomatas afirmaram à BBC News Brasil em
condição de anonimato que o telegrama está circulando no sistema do Ministério
e chegou aos destinatários.
Nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro e o
ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, já haviam anunciado no
Twitter que o país deixaria o pacto. Araújo o classificou como um
"instrumento inadequado para lidar com o problema (migratório)",
defendendo que "imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim
de acordo com a realidade e a soberania de cada país".
Direitos humanos para migrantes
Negociado desde 2017, o pacto estabeleceu diretrizes para
o acolhimento de imigrantes. Entre os pontos definidos estão a noção de que
países devem dar uma resposta coordenada aos fluxos migratórios, de que a
garantia de direitos humanos não deve estar atrelada a nacionalidades e de que
restrições à imigração devem ser adotadas como um último recurso.
O documento foi chancelado por cerca de dois terços dos
193 países membros da ONU. Algumas nações poderosas - caso dos EUA, Itália,
Austrália e Israel, entre outros - ficaram de fora por avaliar que o pacto
violava a soberania dos Estados.
O ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira, que representou o
Brasil nas negociações, já havia criticado a ideia de abandonar o pacto.
"A questão (migratória) é sim uma questão global.
Todas as regiões do mundo são afetadas pelos fluxos migratórios, ora como pólo
emissor, ora como lugar de trânsito, ora como destino. Daí a necessidade de
respostas de âmbito global", ele escreveu no Twitter.
Aloysio afirmou ainda que o pacto não "autoriza
migração indiscriminada" e "busca apenas servir de referência para o
ordenamento dos fluxos migratórios, sem a menor interferência com a definição
soberana por cada país de sua política migratória".
Movimentos conservadores simpáticos à candidatura de
Bolsonaro eram críticos ao acordo.
Em Bruxelas (Bélgica), um protesto contra o pacto
convocado por grupos de extrema-direita reuniu cerca de 5 mil pessoas e
terminou com confrontos entre manifestantes e forças de segurança, em dezembro.
Migrantes brasileiros no exterior
Para Camila Asano, coordenadora de Política Externa da
ONG Conectas, o abandono do acordo pelo Brasil é "extremamente
lamentável".
"Mostra que o governo não está olhando para a
totalidade das pessoas que precisam de proteção", ela afirmou, assinalando
que há mais migrantes brasileiros vivendo no exterior do que estrangeiros no
Brasil.
Segundo Asano, ao deixar o acordo, o governo brasileiro
não considera os "muitos brasileiros que vivem em outros países e sofrem
pela negação de direitos básicos".
Ela diz que o pacto exprime um "consenso muito
mínimo, mas ainda assim muito valioso, sobre quais seriam boas práticas para o
acolhimento dos fluxos".
"O Brasil vai minando uma das suas principais
credenciais internacionais: ser um país formado por migrantes e com uma
política migratória vista como referência, o que vinha dando voz potente ao
Brasil nas discussões internacionais sobre o tema", lamentou.