Municípios de mais difícil acesso e com maior nível de
pobreza acabaram ficando em último na escolha de profissionais
Desde a saída dos médicos cubanos do Mais Médicos, o
município de Juruá, no interior do Amazonas, vive um cenário de alerta na
saúde. "Ficou o caos. Estamos mantendo o auxílio com base em enfermeiros e
no único médico que temos, mas que também atende urgência e emergência e não
pode ficar em tempo integral", diz a secretária de saúde do município,
Nádia Teixeira.
Localizado a 24 horas de distância da capital do estado,
Manaus, e com acesso apenas por barco e lancha, a cidade de até 14 mil
habitantes tinha até esta quinta-feira (29) três vagas abertas no programa -e
nenhum médico interessado em ocupá-las. "Quando vi o edital, já sabia que
sairíamos prejudicados. Todo médico que vem aqui só quer ficar por 15 dias ou
com salários mais altos", relata.
Além de Juruá, outros 26 municípios ainda não tinham
perspectiva de preencher todas as vagas após uma semana das inscrições. Em
comum, são municípios de mais difícil acesso e com maior nível de pobreza
-fatores que acabaram deixando para que ficassem em último na escolha de
profissionais.
Levantamento feito pela Folha de S.Paulo com base em
lista do Ministério da Saúde mostra que, até às 18h desta quinta, todas as 151
vagas ainda disponíveis estavam em municípios de perfis 7 e 8 -considerados no
edital como áreas de maior vulnerabilidade.
Deste total, 68 vagas estavam em municípios onde 20% da
população ou mais apresenta situação de extrema pobreza, com renda inferior a
R$ 89 mensais. Já outras 83 ficavam em áreas de Dseis (distritos sanitários
indígenas), que até então tinham a maioria dos postos ocupados por médicos
cubanos. Excluídos, dois municípios não tinham recebido nenhum médico
interessado em ocupar as vagas: caso de Juruá e Jutaí, ambos no Amazonas.
Uma preocupação que se agrava com dados de balanço do
Ministério da Saúde.
Apesar da corrida inicial por inscrições, desde
segunda-feira (26), o percentual de vagas ocupadas no edital do Mais Médicos
tem tido pouca variação -de 97% a 98%, o que mostra maior resistência em ocupar
vagas nestes locais.
Para representantes das duas prefeituras ouvidas pela
Folha, a distância em relação à capital e cidades maiores é o principal
impeditivo para escolha das vagas. "Desde que abriram as vagas, ao menos
três médicos já entraram em contato comigo pedindo como era a distância",
relata Kárita Mendes, secretária de saúde em Jutaí, cidade cujo tempo de
deslocamento até Manaus varia de um a quatro dias.
Outro pedido tem sido por aumento: segundo Mendes, os
mesmos três profissionais pediram por um pagamento maior -de R$ 11,8 mil, a
proposta é que o valor subisse para R$ 20 mil a R$ 30 mil. "Mas não temos
como pagar isso", diz.
Segundo Mendes, nos últimos anos, cubanos foram alguns
dos poucos que aceitaram se fixar por mais tempo no local. Sem outros médicos
na atenção básica após a saída dos estrangeiros, unidades de saúde quase
fecharam as portas.
A solução, diz Mendes, foi montar um sistema de
"rodízio" com outros municípios até o fim do edital. Até esta quinta,
porém, nenhuma das seis vagas havia sido preenchida.
Migração
A dificuldade no preenchimento destas vagas, no entanto,
contrasta com a alta adesão registrada no edital do programa. Das 8.517 vagas
ofertadas, 8.366 já foram ocupadas, segundo o ministério.
Balanço do Conasems, porém, aponta que essa adesão pode
ter deixado ao menos outras 2.844 vagas abertas nas unidades de saúde. O número
corresponde ao total de médicos que já atuavam no Programa Saúde da Família
antes de se inscreverem para atuarem no Mais Médicos.
Outra preocupação dos secretários está nos relatos que
vem sendo recebidos sobre possíveis desistências de inscritos, informa Mauro
Junqueira, presidente do conselho.
Em nota, o Ministério da Saúde diz que "está
adotando todas as medidas para garantir a assistência dos brasileiros atendidos
pelas equipes da Saúde da Família que contam com profissionais de
Cuba".Segundo a pasta, vagas não preenchidas devem ser direcionadas a um
segundo edital, previsto para ser lançado após 14 de dezembro, prazo final para
que médicos inscritos se apresentem aos municípios.
Outra alternativa em discussão, informa, é a
possibilidade de remanejamento dos médicos em atividade no Mais Médicos para
outras localidades, como já ocorreu para atender a população em Roraima"
durante o surto de sarampo."Outra iniciativa estudada é ampliar a
participação de brasileiros com os alunos formados através do Fies (Programa de
Financiamento Estudantil)", informa a pasta.
Para o ministério, o edital do Mais Médicos "tem
mostrado que os profissionais brasileiros têm escolhido os municípios mais
vulneráveis do país", uma vez que "apenas 17,3% escolheram vagas em
capitais".
A pasta, porém, desconsidera que esse percentual
corresponde o total de vagas ofertadas nestes locais -as primeiras a serem
escolhidas no sistema.
Fonte: Folha PE