General Heleno prevê retomada de obras e quer fazer da região uma ‘vitrine’ da administração
Última trincheira do PT no
país, o Nordeste deverá ganhar atenção especial do presidente eleito Jair
Bolsonaro (PSL). Ele pretende transformar a única região em que não saiu
vencedor nas urnas em uma vitrine de seu governo a partir da retomada de obras
paralisadas das administrações petistas, como a transposição do Rio São
Francisco e a construção de ferrovias, como a Transnordestina.
— Tenho dito que o Nordeste
é o centro das atenções para mudar o Brasil — disse ao GLOBO o futuro ministro
do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general Augusto Heleno. — Na
região, o primeiro grande plano é resolver o problema da falta de água —
completou.
Além da transposição do São
Francisco, o governo vai apostar no uso da tecnologia de dessalinização de
água. No planejamento traçado para a região, uma das metas é importar
tecnologia israelense de retirada de sais das águas para estimular a
agricultura no semiárido nordestino, uma das promessas mais repetidas durante a
campanha de Bolsonaro.
O general admite que
priorizar ações no Nordeste trará ganhos políticos ao presidente eleito e será
fundamental para quebrar resistências de governadores de partidos de esquerda
da região — o PT vai governar Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte em
2019.
— O Nordeste pode (se tornar
uma grande vitrine de Bolsonaro), mas acho que essa preocupação é secundária,
consequência. Não acredito que as pessoas sejam tão infantis e continuem
pensando em voto, em manipulação, em manter gente como coitadinho quando a
gente pode fazer as pessoas terem outra perspectiva para o futuro — disse.
Considerado um dos quadros
mais relevantes do governo eleito, o general reconhece que as obras da
transposição e das ferrovias não vão acontecer de uma hora pra outra. O futuro
ministro também não detalha como um governo vai tocar as grandes obras com
graves problemas fiscais.
— Uma ferrovia leva tempo
para construir, não é como estrada de rodagem, mas é muito mais econômica —
explica Heleno.
Outro ponto que demandará
atenção do novo governo será a reposição adequada das vagas que eram ocupadas
por médicos cubanos na região. Na semana passada, Cuba pediu desligamento do
programa Mais Médicos do governo federal. Cidades nordestinas serão afetadas
com a saída dos profissionais do país, o que vem gerando apreensão nas
administrações municipais.
Coordenador do grupo de
planejamento da campanha, o general Heleno afirma que o governo Bolsonaro
apostará em ações que “não sejam apenas assistencialistas, temporárias e
cativadoras de votos".
O futuro governo reafirma a
manutenção do Bolsa Família, o programa mais popular dos anos do PT no poder.
Após a votação do primeiro turno, o então candidato Bolsonaro prometeu,
inclusive, criar o 13° salário para os beneficiários do Bolsa Família. Desde a
votação do segundo turno, o presidente eleito nunca mais falou do tema ou mesmo
de qualquer prazo para cumprir a promessa.
Nacionalmente, Jair
Bolsonaro rompeu a sequência de quatro vitórias do PT nas eleições presidenciais,
mas testemunhou a força do petismo no Nordeste. Dos 1. 794 municípios da
região, o candidato do PT, Fernando Haddad, levou a melhor em 98,6% deles.
Passadas quase três semanas
do segundo turno, o clima entre Bolsonaro e os governadores eleitos no Nordeste
não desanuviou. Na quarta-feira, Wellington Dias (PT), do Piauí, foi o único
representante nordestino no encontro de Bolsonaro com governadores eleitos em
Brasília.
Desafios de execução
Segundo especialistas
ouvidos pelo GLOBO, a meta do governo eleito de focar o Nordeste, por mais bem
intencionada que possa ser, tem grandes desafios de execução.
— Antes do novo governo
embarcar na finalização da Transnordestina, deveria avaliar se o projeto e o
modelo adotado até aqui são a melhor alternativa — disse Claudio Frischtak,
presidente da Inter.B, consultoria especializada no setor de infraestrutura.
No caso da transposição,
obra quase pronta, o ponto de atenção é o custo de operação das bombas de água,
estimados em cerca de meio bilhão de reais, por ano.
Para o cientista político
Fernando Schuler, do Insper, não bastará um mandato para enfraquecer a força do
lulismo na região. E, nem mesmo, obras gigantes são garantia de sucesso.
— A chance do governo
Bolsonaro reverter a força do lulismo é colocando em execução um programa real
e efetivo de combate à pobreza, o que é diferente do Bolsa Família — diz
Schuler.
Projetos importantes
aguardam conclusão
A transposição do Rio São
Francisco está 96% concluída, sendo 95% no Eixo Norte e 100% no Eixo Leste. A
água está sendo retirada do São Francisco, no interior de Pernambuco, para
abastecer outros rios e açudes. O objetivo é beneficiar 12 milhões de pessoas
em 390 municípios em Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.
As obras começaram em 2005,
com previsão inicial de serem concluídas em 2010. O custo também aumentou. Deve
ficar em R$ 9,6 bilhões, o dobro do previsto. O projeto envolve mais de 5,4 mil
trabalhadores e cerca de dois mil equipamentos, em 477 quilômetros de extensão.
Outra obra importante na
região é a ferrovia Transnordestina. Ela foi planejada para ligar a cidade de
Eliseu Martins (Piauí) aos portos de Pecém (Ceará) e Suape (Pernambuco), com
1.753 quilômetros de extensão, passando por 81 municípios. O objetivo é transportar
30 milhões de toneladas por ano. O projeto foi iniciado em 2006 e só deve ficar
pronto em 2027, 17 anos depois do prazo original.
Já foram gastos R$ 6,4
bilhões, e as obras têm 52% de avanço físico. Elas estão interrompidas desde o
início de 2017, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a
suspensão completa de repasses por suspeitas de irregularidades. O orçamento,
que era de R$ 4,5 bilhões, agora já alcança R$ 13 bilhões.
O fornecimento de água no
semiárido nordestino é outro desafio. A dessalinização — processo que retira o
sal da água — é mais comum em países com pouca disponibilidade. O Ministério do
Meio Ambiente tem o Programa Água Doce, que atende mais de 500 comunidades do
semiárido com a dessalinização de águas salobras (com salinidade intermédia,
entre a salgada e a doce). Também há experiências regionais, como a de Fernando
de Noronha, onde a dessalinização garante água potável a 80% dos cinco mil
moradores fixos.
Indicado para o Ministério
da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes já manifestou intenção de incentivar
pesquisas para baratear os custos de dessalinização. As referências para o
programa seriam as experiências em Israel. ( Colaboraram Eduardo Salgado e
Daniel Gullino )
Jussara Soares e Dimitrius Dantas – O Globo