A ira popular com os
“políticos de sempre” não poupou a bancada evangélica. A onda que drenou o
Congresso de seus quadros tradicionais reduziu a atual composição da frente à
metade.
Entre os 82 dos chamados
“membros ativos” da bancada, 42 não se reelegeram. Mas a presença evangélica no
Congresso deve se expandir, segundo projeção da coordenadora jurídica do bloco
religioso, Lia Noleto. “O que houve foi uma mudança de nomes. A onda da renovação
atingiu todos os segmentos.”
Somando senadores e
deputados, são 82 parlamentares evangélicos na linha de frente, que inclusive
costumam frequentar cultos realizados nas manhãs de quarta-feira num dos
plenários da Câmara.
Já a base de apoio, hoje com
150 congressistas, a partir de 2019 deve subir a 180 dos 513 deputados, diz
Noleto. A futura cara da bancada na Câmara ainda não foi definida.
Mas já dá para estimar que o
segmento mais que dobrou no Senado: hoje são três, e no ano que vem serão oito,
10% da Casa. Recém-eleitos no Rio, Flávio Bolsonaro (PSL), da linha batista, e
Arolde de Oliveira (PSD) eram rivais na teoria, mas fizeram dobradinha, pedindo
voto um para o outro.
A vitória de Arolde
comprovou a força do pastor Silas Malafaia como cabo eleitoral, que o apoiou e
ainda emplacou a reeleição de seu protegido Sóstenes Cavalcante na Câmara e do
irmão Samuel Malafaia na Assembleia do Rio.
Outro senador eleito foi
Mecias de Jesus (PRB), que desbancou o todo-poderoso Romero Jucá (MDB) em
Roraima.
O bloco evangélico unirá
forças com os parceiros de praxe, como a frente católica e os dois outros
terços da chamada “bancada BBB” —de Boi (ruralistas), Bíblia e Bala (segurança
pública).
Se em 13,5 anos de governos
petistas eles se viam como uma espécie de zagueiro das “causas morais”,
tentando frear avanços progressistas indesejados, o núcleo evangélico espera
partir para o ataque num eventual país presidido por Jair Bolsonaro (PSL).
“Com a onda conservadora, de
uma forma geral estamos esperançosos de termos mais tranquilidades nos debates
das pautas pró-vida e de família”, afirma Lia Noleto.
Um dos calouros na Câmara
será Cezinha da Madureira (DEM-SP), atualmente deputado estadual. Carrega a
igreja que representa no nome: ele é do Ministério Madureira da Assembleia de
Deus, sob guarda do bispo Samuel Ferreira.
O capital político do bispo,
que tinha como aliado Eduardo Cunha, pode ser medido pela lista de RSVP para a
convenção nacional de sua denominação em 2017: lá estiveram Geraldo Alckmin e
João Doria, então governador e prefeito, mais os chefes da Assembleia
Legislativa e da Câmara Municipal de São Paulo.
A Igreja Universal perde um
deputado de peso na próxima legislação, o bispo licenciado Antonio Bulhões, e
ganha outro: Marcos Pereira, ex-ministro de Michel Temer e presidente do PRB,
braço partidário da igreja de Edir Macedo –que endossa Bolsonaro.
Dos que ficaram de fora da
Câmara, nomes com quilometragem na política, como Missionário José Olímpio
(DEM-SP). Três vezes vereador e no segundo mandato em Brasília, ele é filiado à
Igreja Mundial do Poder, de Deus, do apóstolo Valdemiro Santiago.
A baixa mais notória no
Senado é Magno Malta (PR-ES). Bolsonaro chegou a dizer em junho, na Marcha para
Jesus, que enviou uma “cartinha de amor” para convencer seu “vice dos sonhos” a
ficar do seu lado. Magno, contudo, tinha dois motivos para declinar a investida
do capitão reformado: seu partido não queria a aliança e ele mesmo preferia não
arriscar uma reeleição que dava como certa. Perdeu.
Irmão Lázaro (PSC) —que,
como Magno, divide a atividade parlamentar com o cancioneiro gospel— foi o
terceiro deputado mais votado na Bahia em 2014. Tentou saltar da Câmara ao
Senado, em vão.
Presidente da atual bancada
evangélica, o pastor Hidekazu Takayama (PSC-PR) tem um punhado de hipóteses
para a derrota que não só ele, como os outros “irmãos” sofreram.
Para ele, os “radicais de
esquerda” foram bem-sucedidos contra parlamentares cristãos que apoiaram o
impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Colaram neles a pecha de
escudeiros de um governante altamente impopular, Michel Temer (MDB). “Os
evangélicos eram gratos a Temer por tirar a Dilma. Não imaginávamos tantas
situações pendentes jurídicas [de Temer]. A oposição soube usar bem esse
argumento, dizendo que éramos corruptos.”
Viram “vícios” no
emedebista, mas por ele oraram. Acumularam vitórias em sua gestão. Celebram
como uma das maiores a remoção das expressões “identidade de gênero” e
“orientação sexual” da base nacional curricular, que define o que alunos
aprendem da creche ao ensino médio.
No mesmo dia, o grupo
entregou a Temer um ofício para convencê-lo do quão “absurda” era “a pedagogia
que busca impor uma teoria com base sociológica que desconsidera a realidade
biológica das crianças e adolescentes”.
Também criticaram uma
resolução que combate a homofobia –há particular incômodo com escolas que
deixam o aluno usar o banheiro de sua preferência, como a transexual que vai ao
toalete feminino (“isso é um atentado violento ao pudor e a moral, no qual
teremos homens e mulheres dividindo espaços íntimos e que deveriam ser
protegidos daqueles que não compartilham da mesma anatomia”).
Reeleito em São Paulo, o
pastor Marco Feliciano (Podemos) tem outra explicação para o malogro de colegas
não reeleitos. “No afã de aumentar a bancada, evangélicos lançaram tantos, mas
tantos nomes, que dividiram os votos. E voto não multiplica, ele migra”,
afirma.
Para a assessora jurídica
Lia Noleto, “não houve necessariamente um cansaço, mas uma fase de transição
com os novos instrumentos de fazer política”. E muitos pastores que, na
política, funcionavam à moda antiga não souberam lidar com o novo mundo. “Nomes
tradicionais tiveram alguma dificuldade no trato com a mídias sociais. A forma
de fazer política mudou.”
Takayama diz que não importa
quem estiver na bancada, e sim o poder que os evangélicos terão de levar suas
agendas adiante, e num ambiente muito mais amigável, caso Jair Bolsonaro vista a
faixa presidencial em janeiro.
“Não adianta a esquerda
achar que pode nos derrubar. A gente é que nem bolo, quanto mais bate, mais
cresce.”
O presidenciável do PT,
Fernando Haddad, é o adversário ideal, segundo Malafaia.
“Haddad foi o autor do ‘kit
gay’, e aí nós deitamos e rolamos, jantamos o Haddad no mundo evangélico.”
Refere-se ao pacote encomendado em 2011 pelo Ministério da Educação, então
chefiado pelo petista, para orientar professores a combater a homofobia.
Bolsonaro teve seu terceiro
e atual casamento celebrado por Malafaia, tem filhos evangélicos e chegou a ser
batizado nas águas do rio Jordão (Israel), em 2016, por Pastor Everaldo,
presidente do seu partido”à época, o PSC. Mas, apesar de forte aliado do
segmento, ele se declara católico.
BANCADA EVANGÉLICA 2.0
Os calouros
Flávio Bolsonaro (PSL-RJ)
Filho de Jair Bolsonaro, o
evangélico da linha batista saltará da Assembleia Legislativa fluminense para o
Senado
Marcos Pereira (PRB-SP)
Ex-ministro de Temer e
presidente do PRB, é bispo licenciado da Igreja Universal. Foi eleito para a
Câmara.
Cezinha de Madureira
(DEM-SP)
Será o representante na
Câmara do Ministério Madureira, um dos braços mais poderosos da Assembleia de
Deus
De saída
Magno Malta (PR-ES)
O senador foi cobiçado por
Bolsonaro como vice, mas preferiu apostar na reeleição, não concretizada
Valdir Raupp (MDB-RO)
Atingido pela OperaçãoLava
Jato, ficou em lugar na corrida pelo Senado
Missionário José Olímpio
(DEM-SP)
Há dois mandatos na Câmara,
e antes disso vereador por três vezes em São Paulo, não conseguiu votos o
suficiente para permanecer na Casa
Hidekazu Takayama (PSC-PR)
Atual presidente da frente
evangélica, o pastor foi derrotado no Paraná. Culpa a esquerda, que teria
conseguido colar em líderes evangélicos a pecha de corruptos, por apoiarem a
substituição de Dilma Rousseff por Michel Temer
Fonte e texto: Folha de São
Paulo