Cartórios ainda pedem
documentos que não são mais obrigatórias, após decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) de março deste ano.
Na Região Metropolitana do
Recife, transexuais têm relatado dificuldades para alterar nos cartórios o
prenome e o gênero que constam nos registros civis. Entre as queixas, estão a
solicitação de laudo médico e a apresentação de testemunhas, dois procedimentos
que perderam a obrigatoriedade após a decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF), em março deste ano.
Agora, após o julgamento da
Corte, as alterações no registro de pessoas que não fizeram cirurgia de mudança
de sexo pode ser feito no próprio cartório, sem que o procedimento seja
judicializado.
A maquiadora Bruna Melissa,
25 anos, de Paulista, na Grande Recife, foi uma das pessoas que enfrentou problemas.
Em junho, ela procurou o 1º Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais da
cidade para saber qual era a documentação necessária para ter acesso ao
direito. “Entre as coisas que me pediram, constava o laudo médico. Eles
disseram que sem isso eu não conseguiria o benefício”, explicou.
Segundo a jovem, essa não
foi a única dificuldade. “Além do laudo, ainda me pediram vários antecedentes
criminais e a pessoa que me atendeu deixou subentendido que, se eu tivesse
algum problema, não iria conseguir a mudança”, declarou.
A cabeleireira Alanna
Fernandes, de 29 anos, também relatou problemas com o mesmo cartório. Em abril,
um mês após a decisão, ela buscou o órgão para solicitar o novo registro. “A
primeira vez que falei com eles, me disseram que em 30 dias eu poderia ter o
documento em mãos, mas liguei novamente para confirmar a documentação e me
falaram que esse prazo não existia mais, que iriam encaminhar o pedido à
Justiça e que isso dependeria de autorização judicial”, comentou. Por ora, as
duas desistiram de levar adiante os trâmites.
O G1 procurou o 1º Cartório
de Registro Civil das Pessoas Naturais de Paulista, que não atendeu as
ligações.
De acordo com o defensor
público Henrique da Fonte, do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria do
Estado de Pernambuco (NUDPDH), o órgão também recebeu recentemente três queixas
de cartórios que estariam criando barreiras para garantir o direito recém-concedido.
“Duas pessoas nos procuraram porque o cartório havia exigido testemunhas e
ainda estamos analisando o que houve no terceiro caso que nos chegou”, disse.
A entidade oferece
orientação jurídica gratuita para pessoas interessadas em solicitar a alteração
(veja detalhes abaixo) e, desde março, quando o STF autorizou as novas regras,
vê aumentar o número de pessoas interessadas em fazer a mudança no registro de
nascimento (pré-requisito para modificar as carteiras de identidade,
habilitação, trabalho e demais documentos).
“O núcleo foi criado em 2016
e até a mudança na lei, em março, tínhamos cerca de 60 processos judiciais para
pedir a adoção do nome social nos documentos. A partir da decisão do STF, que
facilitou a obtenção do documento, nos dois primeiros meses registramos uma
procura por orientação que variou entre três e cinco pessoas por semana. Agora,
nos últimos meses, essa média subiu para entre sete e oito pessoas”, comentou o
defensor público Henrique da Fonte.
Como denunciar
Henrique da Fonte explica
que as pessoas que enfrentarem resistências nos cartórios devem procurar o
serviço extrajudicial da Corregedoria Geral da Justiça de Pernambuco (CGJ-PE),
responsável pela fiscalização dos cartórios do estado, para registrar a
denúncia. “Como a Defensoria apenas orienta sobre o passo a passo, nem sempre
ficamos sabendo como o atendimento é feito nesses locais, apesar de pedirmos um
retorno das pessoas. É importante que sempre nos confirmem se deu tudo certo,
para ajudarmos nos casos contrários”.
Treinamento
A Secretaria Executiva de
Direitos Humanos de Pernambuco (SEDH), em nota, informou que o órgão também tem
recebido denúncias de cartórios do estado que estão impondo dificuldades na
mudança no prenome nos registros, o que motivou a busca por uma solução ao
impasse.
“Para coibir a situação, a
SEDH, por meio do Centro Estadual de Combate a Homofobia (CECH), irá promover
uma formação com cartórios de todo o Estado, no próximo mês de agosto. O
objetivo é instruir os funcionários a fim de otimizar o procedimento da
retificação. O primeiro workshop acontecerá nos municípios de Recife, Olinda e
Paulista”, explicou a assessoria de imprensa da secretaria, através de nota.
Onde buscar ajuda
Para quem tem dúvidas sobre
como o procedimento deve ser cumprido, algumas entidades oferecem esse auxílio
gratuitamente:
Núcleo de Direitos Humanos
da Defensoria Pública de Pernambuco
Oferece orientação jurídica
para quem não tem como pagar pelo serviço. O núcleo fica na Rua Imperador Dom
Pedro II, 307, no Edf. Armando Monteiro Filho, no Centro do Recife (ao lado do
Bolsa Família). O agendamento pode ser feito pelo número (81) 3182-5936. Quem
mora em outras cidades, deve procurar o prédio da Defensoria Público mais
próximo da sua residência.
Com relação à mudança do
prenome nos registros, o órgão, quando encaminha o público aos cartórios, emite
uma declaração que garante a gratuidade da alteração, já que esse serviço tem
um custo (cada documento emitido pelos cartórios tem um preço).
Centro Estadual de Combate à
Homofobia (CECH)
Gerenciado pela Secretaria
Executiva de Direitos Humanos de Pernambuco, o CECH oferta orientação jurídica
na sede do centro. Esse atendimento pode ser agendado através do número (81)
3182-7665, pelo e-mail centrolgbtpe@gmail.com ou, ainda, presencialmente, na
Rua Santo Elias, 535, no bairro do Espinheiro.
Centro Municipal de
Referência em Cidadania LGBT do Recife
A entidade, vinculada à
Prefeitura da Cidade do Recife (PCR), conta com uma equipe multidisciplinar
formada por advogados, psicólogos, agente de direitos humanos e assistente
social. O centro fica na Rua dos Médicis, 86, no bairro da Boa Vista. O número
para atendimento é (81) 3355-3456.
Com relação à mudança na
documentação, a entidade busca sempre saber qual o cartório de destino de quem
recebeu a orientação. Em seguida, eles entram em contato com as instituições
para passar informações prévias a respeito dos procedimentos corretos.
Instituto Boa Vista
Com dez anos de atuação, a
organização atua na defesa de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transgêneros. A entidade oferece, entre outros serviços, assistência
psicológica, social e jurídica. O IBV está localizado na Rua das Ninfas, nº 84
A. O atendimento precisa ser agendado através dos números (81) 3072-9799 e (81)
99893-8941.
Documentação
Apesar de o STF ter julgado
em março a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275 - que determinou as
mudanças - somente em junho o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) normatizou os
procedimentos que os cartórios devem utilizar para conceder o novo documento.
De acordo com o provimento do órgão, os documentos que devem ser exigidos para
fazer a alteração são:
Certidão de nascimento
atualizada;
Certidão de casamento
atualizada, se for o caso;
Cópia do registro geral de
identidade (RG);
Cópia de identificação civil
nacional (ICN), se for o caso;
Cópia do passaporte
brasileiro, se for o caso;
Cópia do CPF;
Cópia do título de eleitor;
Cópia da carteira de
identidade social, se for o caso;
Comprovante de endereço;
Certidão de distribuidor
cível do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal);
Certidão do distribuidor
criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal);
Certidão de execução
criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal);
Certidão dos tabelionatos de
protestos do local de residência dos últimos cinco anos;
Certidão da Justiça
Eleitoral do local de residência dos últimos cinco anos;
Certidão da Justiça do
Trabalho do local de residência dos últimos cinco anos;
Certidão da Justiça Militar,
se for o caso.