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Corte internacional manda Brasil demarcar território Xucuru em Pernambuco


Estado brasileiro terá 18 meses para definir o território dos índios de Pesqueira. Também terá que pagar indenização de US$ 1 milhão


O Estado brasileiro terá 18 meses para demarcar o território dos Xukurus de Ororubá, na área do município de Pesqueira, no Agreste de Pernambuco. Terá ainda que pagar indenização de US$ 1 milhão (R$ 3,26 milhões) pela demora em cumprir as determinações estabelecidas há 30 anos, na promulgação da Constituição de 1988. A condenação foi estabelecida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, para onde o caso foi levado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), justamente com as Organizações Não Governamentais Justiça Global e o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares.


“Esse povo travou uma luta muito antiga, com cenário de violência e embate jurídico pela demarcação. O Estado brasileiro foi levado à Corte diante do tempo de omissão e por causa dos prejuizos causados à comunidade indígena”, diz o advogado do Cimi, Rafael Modesto. Prejuízos, continua, que incluem assassinatos, violência e embates pelas terras, além das questões culturais, porque a falta da terra acarreta a perda do espaço de difusão dos hábitos dos indígenas, que vão se perdendo.

“A decisão vem fazer justiça aos Xukurus e abre precedente para outros povos indígenas do Brasil, que ganham muita força para garantir seus direitos constitucionais”, disse Modesto, explicando também que, no ambito da corte internacional, não cabe recurso. O Estado pode até não cumprir a decisão, mas teria que arcar com sanções políticas, econômicas e penais. E o caso seria levado para a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), a qual a Corte é ligada. “As sanções são bastante pesadas e não há casos de descumprimentos, até porque, moralmente, o Estado brasileiro ficaria desmoralizado diante das organizações internacionais”.

Com a posse do seu território, os Xukurus terão autonomia para gestão da área e nenhum não-índio pode permanecer nessas terras, que têm em torno de 27 mil hectares. Segundo Modesto, o Estado brasileiro precisará retirar esses eventuais ocupantes e indenizá-los por possíveis benfeitorias feitas. Sobre o destino da indenização, o advogado explica que o valor deverá ser revertido a um fundo. “Diante da autonomia que os índios têm, o fundo vai ser em nome de alguma associação do povo, que vai ser responsável pela gestão de acordo com seus interesses coletivos, como educação, saúde e proteção”. Os mais de 7 mil indígenas que vivem nas áreas demarcadas, em 24 comunidades na Serra do Ororubá (a cerca de 6 km da área urbana), são beneficiados pela decisão da Corte. Os outros 4 mil que vivem em Pesqueira podem vir a ser.

Ainda segundo o advogado, a Corte determinou que os índios tenham acesso à “Justiça plena”; ou seja, ao direito de ser parte do processo. “No âmbito nos tribunais brasileiros, esse direito tem sido negado com base no regime tutelar do índio, que é considerado incapaz e submetido à tutela da Funai (a Fundação Nacional do Índio). Alguns juizes ainda aplicam isso”, explica Modesto. A decisão também entendeu que os indígenas, independentemente de marco temporal, têm direito ao seu território ancestral e a voltar para ele.

Filho do cacique Xicão (morto a tiros em 1998 em uma disputa por terras pelo fazendeiro José Cordeiro de Santana), Marcos Xukuru, 39 anos, disse que para os índios brasileiros e de outros países da América Latina, a decisão vai abrir caminhos para novas vitórias. “É extremamente importante porque mostra para a sociedade, para o nosso País, que a luta não é em vão, ela faz sentido porque estamos em busca de direitos que, muitas vezes, são usurpados”, declarou. Para o cacique, a vitória “traz segurança jurídica e política para o povo Xukuru”. “Estamos muito felizes, é a sensação de dever cumprido.”

O Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Etnicidade (Nepe), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), subsidiou a CIDH com informações antropológicas sobre as populações indígenas. A Funai, em Brasília, foi procurada pela reportagem, mas não se posicionou sobre a decisão da Corte até o fechamento desta edição. Fonte: FolhaPE