A tabela é conhecida das
autoridades desde os anos 90, quando foi apresentada pela ex-mulher de um
ex-presidente da Codesp, órgão que administra o porto
Um relatório preliminar da
Polícia Federal anexado ao inquérito que investiga o presidente Michel Temer e
outros membros do governo por supostas irregularidades na edição de um decreto
para o setor de portos reproduz uma tabela datada de 1998 que sugere pagamentos
de empresas do Porto de Santos (SP) ao presidente e aliados.
A tabela é conhecida das
autoridades desde os anos 90, quando foi apresentada pela ex-mulher de um
ex-presidente da Codesp, órgão que administra o porto. Ela é parte de outro
inquérito, que tramitou no STF (Supremo Tribunal Federal), mas foi arquivado em
2011, na parte relativa ao presidente, por decisão do ministro Marco Aurélio
Mello. O arquivamento ocorreu depois que Temer (MDB-SP) se tornou
vice-presidente de Dilma Rousseff (PT-RS) e o conteúdo da tabela foi divulgado
pela Folha de S.Paulo.
A novidade é que a PF agora
considera a tabela um elemento relevante para as investigações porque nela há
possíveis referências a "quase todos os atores" da investigação aberta
no ano passado em decorrência da delação da JBS.
O papel é datado de agosto de
1998 e intitulado "Parcerias realizadas - concretizadas / a
realizar". Ele traz iniciais de nomes ao lado de percentuais e valores
relacionados a seis itens, incluindo a Rodrimar e a Libra, empresas que
administram terminais de portos em Santos (SP), feudo político de Temer.
O papel indica "MT",
provável referência a Michel Temer, está ao lado dos registros "3,75%, $
640.000,00" no espaço que trata da Libra, cuja "participação"
era de 7,5%, com um "saldo a receber" de "$ 1.280.000". As
iniciais do presidente também estão ao lado do nome da Rodrimar, uma empresa
que também administra porto em Santos, com a cifra de "$ 600.000". A
Rodrimar é um dos alvos da apuração aberta em 2017.
Outro investigado no inquérito
de 2017, segundo interpreta a PF, é citado no mesmo papel de 1998. A letra L.
seria uma referência ao coronel aposentado da PM de São Paulo João Baptista de
Lima Filho, amigo de Temer e dono da Argeplan Arquitetura e Engenharia. O nome
da empresa também aparece no mesmo papel como "contratos realizados"
na área de "portos". A Argeplan foi alvo de busca e apreensão no ano
passado a partir da delação dos empresários da empresa de carnes JBS.
Intitulado "relatório de
análise de Polícia Judiciária", o documento da PF é assinado por um agente
e um escrivão e seu efeito para o conjunto da investigação é limitado, pois, de
acordo com o sistema de foro privilegiado de políticos no STF, o controle da
apuração está nas mãos da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Ela
quem decide se estenderá ou não a investigação para o inquérito anterior e a
tabela de 1998. Também não está claro se o delegado que toca o inquérito na PF,
Cleyber Lopes, vai concordar ou não com as sugestões dos policiais.
"Apesar de arquivado, o
inquérito 3105 [arquivado em 2011] aparenta apresentar informações contundentes
ao [sobre o] caso de envolvimento de políticos com a situação portuária",
diz o relatório. Citando reportagens de jornal, menciona a influência política
de Temer sobre as nomeações na Codesp.
No relatório, a PF também
sugere a necessidade, "para uma completa elucidação dos fatos", da
quebra de sigilo do histórico de chamadas telefônicas de pessoas físicas e
jurídicas mencionadas nos dois inquéritos, o que inclui Temer, a Argeplan, Lima
Filho e o ex-assessor especial da Presidência Rodrigo Rocha Loures (MDB-PR), e
acesso a informações fiscais e bancárias de pessoas jurídicas e físicas.
MP da Energia
O inquérito que tramita desde
o ano passado no STF, sob a relatoria do ministro Luís Roberto Barroso,
investiga se houve favorecimento indevido a empresas como a Rodrimar e
influência na edição da MP dos Portos, em 2016, por meio de Rodrigo Rocha
Loures, ex-assessor de Temer e na época deputado federal pelo MDB do Paraná,
preso no ano passado após receber uma mala com R$ 500 mil da JBS.
O relatório de 49 páginas
também aponta a necessidade de ampliar as investigações para outra medida
provisória, que tratou do setor elétrico, a de número 735 de 2016, que foi
publicada em junho daquele ano, após a posse de Temer na Presidência, e vigorou
até outubro, quando foi convertida na lei 13.360.
A PF mencionou que Loures, na
mesma época em que exercia o cargo de assessor especial da Presidência, foi
nomeado membro do conselho diretivo da Neoenergia, considerada um dos maiores
grupos privados de energia elétrica no país e que inclui empresas de
distribuição na Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Além do cargo de Loures na
Neoenergia, a PF cita outras suspeitas. No escritório de outro ex-assessor de
Temer, o advogado José Yunes, a PF localizou um bilhete cuja imagem, analisada
com um programa de computador, revelou marcas de uma anotação referente à MP.
"Verifica-se que as imagens no verso aparentam conter a lista de dois
itens, seguido por um traço e 'MP 735'. Tal bilhete encontra-se em poder do STF
durante a confecção deste relatório, fato que ainda permite uma análise mais
detalhada, caso necessário", diz o relatório.
Outro lado
A Presidência da República,
procurada, informou que os advogados de Temer se manifestariam. A defesa não
foi localizada na tarde desta quarta-feira (31). Nas respostas que encaminhou à
Polícia Federal por escrito, sobre dúvidas levantadas pelos investigadores
também por escrito, Michel Temer tratou da Neoenergia. Ele respondeu:
"Nunca indiquei o Sr. Rodrigo Rocha Loures para ocupar nenhum cargo na
Administração Pública, salvo tê-lo nomeado meu assessor".
Temer escreveu em sua resposta
que não determinou a Rocha Loures, "já como presidente da República, que
acompanhasse as questões das concessões das empresas do setor portuário, não
sendo do meu conhecimento se alguém o procurou para tal finalidade".
"A questão dos portos,
tal como tantas outras, chegou ao meu conhecimento por intermédio de membros do
próprio governo e de parlamentares. Não tenho e jamais tive nenhuma relação com
o setor portuário diversa das que mantive como parlamentar, vice-presidente e
presidente da República com os setores empresariais", escreveu Temer.
O administrador e presidente
do grupo Rodrimar, Antônio Celso Grecco, disse que "nunca realizou doação
eleitoral para o senhor presidente da República, Michel Temer, e para Rodrigo
Rocha Loures, sejam doações oficiais ou mesmo aquelas conhecidas como 'caixa
dois' eleitoral".
Em seu depoimento à PF, Loures
disse que as empresas concessionárias de serviços públicos estão impedidas de
fazer doações eleitorais a candidatos e ele também "não recebeu qualquer
doação eleitoral com origem em empresas ligadas ao setor portuário".
Loures disse que o diretor da
Rodrimar, Ricardo Conrado Mesquita, sempre teve com ele "uma postura
correta, profissional e institucional" e que nas discussões para a MP dos
portos o empresário representava "uma entidade, a ABTP [Associação
Brasileira de Terminais Portuários], e não exclusivamente o grupo
Rodrimar".
Indagada se teve alguma
participação nas discussões obre a MP 735, a Neoenergia disse que não iria se
pronunciar. Em nota, a empresa afirmou que desligou Loures em março passado do
seu conselho de administração.
"A Neoenergia informa que
o Sr. Rodrigo dos Santos Rocha Loures foi eleito para o Conselho de
Administração da companhia em 22.02.2017 e teve sua eleição revogada um mês
depois, em 22.03.2017, em função da identificação de incompatibilidade da
atividade de conselheiro com o exercício de mandato parlamentar. Desde então
não houve qualquer contato dele com a companhia", informou a empresa, em
nota. Fonte: FolhaPE