O Brasil terá maioria
evangélica em até uma década, afirma o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). O levantamento do órgão oficial do governo, no entanto, se
limita a projetar uma tendência, sem explicar os motivos da grande transição
religiosa que vem acontecendo no Brasil.
Uma extensa reportagem do
jornal Valor a respeito do assunto contextualizou a situação comparando com o
cenário de países vizinhos na América do Sul. O Chile, por exemplo, vem
observando um abandono da religião católica em grau acentuado, mas ao contrário
do Brasil, os ex-católicos de lá, na maioria, se tornam ateus, agnósticos ou
sem religião.
Esse cenário foi um dos
principais motivos que levou o papa Francisco a visitar o país no começo deste
ano, em um gesto que expressa a tentativa de conter a sangria e mostrar serviço
contra os escândalos de abusos sexuais e pedofilia envolvendo sacerdotes da
igreja romana.
O Chile passa por uma
secularização acelerada, segundo pesquisadores da área, ficando atrás em termos
de ritmo apenas do Uruguai, que tem 41% da população ateia, agnóstica ou sem
religião. No Brasil, o percentual dessa categoria não religiosa também cresceu
para 14%, no ano passado. “No Brasil ainda estamos criando paróquias”, comenta
o padre Valeriano dos Santos Costa, diretor da Faculdade de Teologia da PUC-SP.
Marcha para Jesus em São Paulo
Ascensão
Em terras tupiniquins, os
católicos vinham perdendo 1% dos seus fiéis anualmente e os evangélicos
ganhando 0,7%, como registrado no Censo de 2010. Atualmente a perda dos
católicos já supera a casa de 1% ao ano, e o crescimento de evangélicos e
grupos sem religião vem se acelerando, segundo pesquisas por amostragens mais
recentes.
“Possivelmente em cerca de
10 e 15 anos o Brasil não terá mais maioria católica”, diz o demógrafo José
Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE.
A Igreja Católica no Brasil
demonstra ter mudado a visão a respeito do cenário, e agora, sob a batuta de
Francisco, tenta focar na qualidade dos fiéis, e não mais na quantidade. O
cardeal dom Sérgio da Rocha, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) e arcebispo de Brasília, afirmou que o mais preocupante não são
os fiéis que seguem a Jesus em outras igrejas, mas os que se dizem católicos e
não vivem como tal.
O padre Valeriano concorda e
vai além, dizendo que a quantidade de católicos, na prática, é muito inferior
ao demonstrando nas pesquisas: “Menos de 10% dos batizados na Igreja Católica
Apostólica Romana frequentam as missas dominicais, o que significa um mínimo de
pertença”, analisou.
Para o cardeal Rocha,
Francisco tem se dedicado a mudar a postura da Igreja Católica, hoje mais
enxuta e precisando deixar uma marca na sociedade diferente dos escândalos que
a atingiram recentemente.
“Ele [Francisco] oferece
sempre orientações para animar a missão da igreja e não especificamente para
responder ao fenômeno do pluralismo religioso na América Latina. Um dos seus
textos mais importantes é o que se chama ‘Evangelii Gaudium’, que significa a
‘Alegria do Evangelho’, em que propõe o caminho a seguir para realizar a missão
da igreja: ele tem enfatizado a necessidade da igreja em missão permanente, que
não se acomoda no templo, mas sai ao encontro de todos para compartilhar a
alegria do Evangelho”, afirma o cardeal.
Marcha para Jesus em São Paulo
Rocha explica que as razões
para a queda pronunciada do número de católicos no Brasil não são simples: “Tem
a ver com a dinâmica interna de uma sociedade plural e complexa, e não apenas
com as limitações e lacunas da ação pastoral da Igreja Católica, que obviamente
não podem ser negadas”, observa.
“O pluralismo religioso é
reflexo de uma sociedade plural. Não é possível manter a situação religiosa de
outros tempos, nem seria conveniente, sob o ponto de vista teológico, uma
igreja controladora da sociedade”, acrescentou, fazendo um mea-culpa e
reconhecendo, de forma indireta, os avanços promovidos na sociedade pela
Reforma Protestante.
Modelo
Para o padre Valeriano
enxerga no modelo evangélico uma saída para conter a sangria: “Aqui nós sempre
ficamos muito quietinhos. As paróquias não podem ficar só com o costume de
manutenção. Temos que ir a campo, procurar as pessoas. Temos que adotar esse
espírito empresarial, que é o que cria novas possibilidades”.
Marcha para Jesus em Belo Jardim, PE
Os dados das pesquisas, ano
após ano, mostram que os grandes centros urbanos são o campo mais fértil para
os evangélicos. Na periferia de São Paulo, por exemplo, a relação de
evangélicos e católicos era de 52 para 100, enquanto no centro da capital cai
para 38 por 100.
Atualmente, Rondônia e Rio
de Janeiro são os Estados onde o crescimento evangélico tem mais expressão:
chega a 71 evangélicos para cada 100 fiéis ao Vaticano, no primeiro caso, e 64
contra 100 no segundo, conforme os números coletados pelo demógrafo Diniz
Alves.
“As igrejas evangélicas
criaram um caminho de inclusão e ascensão social”, afirma pesquisadora Maria
das Dores Campos Machado, da UFRJ.
Um dos responsáveis pelo
cuidado do rebanho, o pastor assembleiano Deiró de Andrade, formado em
Administração, Economia e Direito, afirma que a forma como os evangélicos
apresentam a mensagem bíblica é mais poderosa por um motivo: considera o
indíviduo maior que a instituição e o Estado.
“Se o indivíduo está bem, o
Estado estará bem”, afirma. “Os países da reforma protestante prosperaram; os
da contrarreforma fracassaram. A Bíblia não diz o que é felicidade, mas mostra
o caminho, trata da formação espiritual, da família, do trabalho que traz
dignidade. É isso que pregamos”, acrescentou.
Uma pesquisa de 2015,
realizada pelo Pew Research Center, de Washington (EUA), mostrou que à época,
um em cada cinco brasileiros é ex-católico, e que a troca de religião, segundo
81% dos entrevistados, foi motivada por uma maior conexão com Deus, enquanto outros
69% disseram que preferiam o estilo evangélico e 60% destacaram a ênfase na
moralidade. Fonte>Gospel +
Para o cardeal dom Sérgio da
Rocha, no entanto, o futuro mostrará que os evangélicos enfrentarão o mesmo
dilema católico, e em breve os institutos de pesquisa se debruçarão sobre outro
tema: “A mobilidade religiosa no interior do próprio cenário evangélico, com as
pessoas mudando de igreja, geralmente em busca de solução para seus problemas”.
A conferir.