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Especialistas apontam risco no uso indiscriminado de corticoides

Uso indiscriminado da substância, principalmente por acometidos pela chikungunya, aumenta risco de sequelas no quadro de saúde


Especialistas alertam para os riscos da automedicação e o uso crônico de corticoides por pessoas que sofrem com as dores articulares da chikungunya. A Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa), desde o ano passado, vem recebendo relatos sobre a venda indiscriminada de comprimidos e da aplicação de injeções da droga em farmácias de todo o Estado. Entre 20% e 30% dos pacientes crônicos atendidos no ambulatório especializado da doença no Hospital das Clínicas (HC) já admitiram o uso prolongado da droga. A medicação, que tem alta potência anti-inflamatória, é facilmente comprada nas drogarias sem receita médica e representa perigo à saúde daqueles que a usam sem prescrição médica. Sem saber, muitos dos acometidos pela chikungunya podem ter o quadro geral de saúde complicado pelo uso incriminado e prolongado de corticoides, que podem provocar hipertensão, diabetes, osteoporose, e, em casos mais graves, alterações psiquiátricas.

É quase impossível encontrar alguém que teve ou que ainda enfrenta a chikungunya que não precisou de corticoides para tratar a infecção. Também é quase regra que esse tratamento tenha sido replicado de um amigo ou conhecido. Foi assim com a babá Maria José Silva, 41 anos. “O médico passou para a chefe e nós, aqui, copiamos porque ela havia ficado muito melhor. Eu, que não aguentava nem andar antes, melhorei muito. Tomei os dois meses bem certinho”, contou. A chefe em questão era a empresária Daniele Prado, 38. Orientada por um reumatologista, ela teve a indicação médica de utilizar os comprimidos por dois meses. Mas, em duas ocasiões em que seu quadro piorou, buscou a emergência e tomou mais duas injeções, em um intervalo de 15 dias. Contudo, como a melhora com o tratamento diário parecia não surtir efeito, abandonou os comprimidos. “Parei porque as dores continuavam e eu só fazia engordar.”

O representante estadual da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Fábio Moura, destaca que os corticoides têm potentes efeitos anti-inflamatório e analgésico, podem aliviar sintomas, dar sensação de bem-estar e até salvar vidas, mas há ações negativas quando o uso é inadequado. “Por outro lado, eles aumentam a reabsorção óssea, causando osteoporose; o aumento do catabolismo proteico, perda de massa muscular e fraqueza; alteram a glicemia e os triglicerídeos; inibem os hormônios sexuais e o hormônio de crescimento. Portanto, seu uso crônico tem de ser muito bem avaliado e justificado”, ponderou.

E, para que uma dessas condições se estabeleça, não é preciso muito tempo. “Normalmente os efeitos colaterais aparecem com o uso crônico. A partir de 15 dias de uso contínuo. Quanto maior o tempo de uso, a potência do corticoide utilizado e a dose utilizada, maior o risco de efeitos colaterais”, alertou.

O ganho de peso relatado por Daniele é, segundo a reumatologista do HC, Cláudia Marques, um dos efeitos mais recorrentes. “O mais comum é o ganho de peso, mas junto com ele vem a alteração da glicose e o paciente pode ficar diabético. A droga mexe com o metabolismo”, explicou. A especialista ainda enumerou o aparecimento de glaucoma e catarata como complicações oftalmológicas do uso crônico.

A reutamologista chamou a atenção para a potência da injeção quando comparada aos comprimidos de uso diário, e que podem acelerar o aparecimento de efeitos colaterais. A médica comentou que os corticoides viraram uma perigosa mania entre os doentes. “Desde 2016, com a epidemia, pacientes ficavam mostrando no Facebook e no Instagram as caixas do remédio como aquele que funcionava para tratar a chikungunya. E ele, realmente, melhora as dores, mas não pode haver uso indiscriminado, até porque nem todo mundo tem indicação”, disse. Entre aqueles que devem ficar longe desse tipo de medicação estão os hipertensos, uma vez que o remédio tende a descompensar a pressão arterial. Questionada se o abuso de corticoides pode ter contribuído para alguns dos casos de morte em decorrência da doença, a médica informou que ainda não existem estudos que estabeleçam essa relação. Fonte: FolhaPE