Os órgãos que mais utilizaram
a norma para investigar grupos privados foram os ministérios da Fazenda, com
processos 62, de Minas e Energia, com 42, e da Saúde, com 34
No dia 29 de janeiro de 2014,
passou a vigorar no Brasil a Lei Anticorrupção. A partir dela, empresas que
praticam, por meio de empregados ou representantes, atos ilícitos contra a
administração pública nacional ou estrangeira passaram a ser responsabilizadas
e mesmo punidas com sanções administrativas. Ao longo desses quatro anos, o
governo federal iniciou 183 processos contra empresas. Desses, 153 foram
iniciados em 2017. Os inquéritos já resultaram na aplicação de 30 penalidades.
Os órgãos que mais utilizaram
a norma para investigar grupos privados foram os ministérios da Fazenda, com
processos 62, de Minas e Energia, com 42, e da Saúde, com 34. Em seguida, estão
as pastas da Justiça e Cidadania, com 11, Ciência, Tecnologia e Inovação e
Comunicações, com nove, Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com oito, e
Educação, com seis. No fim da fila, Transportes, Portos e Aviação Civil, com
cinco inquéritos, Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, com três,
Desenvolvimento Social e Agrário, com dois, e Indústria, Comércio Exterior e
Serviços, com um.
De acordo com a lei, também
conhecida como Lei da Empresa Limpa, é da competência da Controladoria-Geral da
União (CGU) a apuração, o processo e o julgamento dos atos ilícitos.
Corregedor-Geral da União, Antônio Carlos Vasconcellos Nóbrega reconhece que o
número não é elevado, o que para ele está atrelado sobretudo ao fato de a lei
ainda ser recente e também devido ao recorte temporal, pois a regra só vale
para atos ilícitos praticados depois de sua entrada em vigor.
Aprimoramento
O corregedor afirmou, contudo,
que há “uma tendência de crescimento, como vimos ocorrer em 2017”, ano que
registrou 83,6% do total até aqui. “Esse número do governo federal representa
que, de fato, a lei pegou e está sendo aplicada. É um trabalho constante e que
está sendo aprimorado”, acrescentou. Nesse sentido, o órgão também trabalha na
capacitação de servidores que atuam diretamente nos processos.
As empresas responsáveis por
atos lesivos ficam submetidas a dois tipos de sanção: multa de até 20% do
último faturamento bruto e publicação da decisão em meios de comunicação de
grande circulação na área de atuação do grupo, pelo prazo de 30 dias. A
publicação deve ser paga pelo infrator. Segundo dados da CGU, corrupção a fim
de obter benefício especifico por meio de propina é a situação mais comum. Até
agora, foram aplicadas 23 multas pelos órgãos federais, totalizando R$ 12
milhões. Sete empresas tiveram a condenação divulgada publicamente. A lei prevê
que os recursos podem ser destinados preferencialmente ao órgão ou entidade
lesada.
A Agência Brasil pesquisou, no
Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), sobre a aplicação do teto de 20%.
No entanto, as informações sobre o faturamento e o processo das empresas são
sigilosas. Naquela página, há apenas a informação sobre o tipo de sanção, se
multa ou publicitação, além do nome da empresa, CNPJ e órgão que a processou.
Cultura empresarial
Em estados e municípios, o
total é ainda menor. Foram apenas 14 punições baseadas na Lei Anticorrupção,
sendo quatro publicações extraordinárias e 10 multas, no valor de R$ 6 milhões.
Em muitos deles, a lei ainda não foi regulamentada para, por exemplo, definir a
dosimetria das penas, o que dificulta a aplicação da regra.
Para estimular que isso seja
feito, a CGU criou materiais voltados aos demais entes federativos, a exemplo
da cartilha “Sugestões de Decretos para a Regulamentação da Lei Anticorrupção
nos Municípios”, disponível na Internet.
A Lei Anticorrupção passou a
vigorar em meio ao crescimento de denúncias contra grandes companhias, como a
Odebrecht, derivadas da Operação Lava Jato. Nesse contexto, “o próprio setor
privado passa a ter mais ciência do prejuízo causado por essa prática”, como
seu impacto na concorrência, exemplificou o corregedor.
Compliance
Para Antônio Carlos
Vasconcellos, houve crescimento das discussões sobre compliance, expressão que
faz referência aos mecanismos internos às empresas para prevenir, detectar e
dar respostas em casos de práticas de corrupção. Comunicação periódica ao
Conselho de Administração e à Diretoria, elaboração de relatório de riscos
regulatórios e de compliance e manutenção de dados atualizados são algumas
dessas práticas.
Como reflexo disso, nos
últimos anos escritórios de advocacia especializados no tema e empresas que
desenvolvem programas de ação cresceram, conforme também diagnostica pesquisa
da consultoria KPMG, publicada no ano passado. Intitulado Pesquisa Maturidade
do Compliance no Brasil, o estudo, que analisou cerca de 250 empresas, concluiu
que apenas 58% das empresas afirmaram ter mecanismos de gestão de riscos de
compliance, enquanto que 42% informaram desconhecê-los.
Para o futuro, a perspectiva é
que também passe a ser colocada em cheque a cultura dos grupos privados no
Brasil. “A discussão hoje vai além da crítica ao corrompido, alcançando também
o corruptor e os mecanismos que têm que ser adotados por ambos para mudar esse
cenário”, concluiu o corregedor-geral. Fonte: FolhaPE