Cerca de 75 mil casos novos e
reincidentes de tuberculose foram registrados no país em 2016, são quase 200
casos por dia no país
No Brasil, os números dos
últimos anos apontam para uma desaceleração tanto no número de diagnósticos
quanto na mortalidade por tuberculose. Mas a quantidade de novos casos da
tuberculose a cada ano ainda é considerada alta, principalmente entre
populações mais vulneráveis, como os indígenas, pessoas privadas de liberdade e
em situação de rua.
Cerca de 75 mil casos novos e
reincidentes de tuberculose foram registrados no país em 2016. O montante
corresponde a aproximadamente 200 casos por dia no país. Estima-se que desse
total aproximadamente, 6 mil pessoas (8%) vivem com HIV. No mundo, cerca de
10,4 milhões de pessoas foram infectadas por tuberculose em 2016, sendo que 10%
das vítimas têm HIV.
O Brasil tem um terço (33%) de
toda a carga de tuberculose das Américas e figura no grupo de países que
congregam quase 40% de todos os casos de tuberculose do mundo e cerca de 34%
dos casos de coinfecção com HIV. O dado preocupa a OMS, que tem visto com
“cuidado o que a tuberculose vem causando no país”.
“Embora nos últimos 15 anos
tenha havido uma queda de aproximadamente 2% dos casos ao ano, ainda é um
número muito elevado. São 70 mil casos por ano, então a Opas vê com muita
preocupação, embora considera-se que haja uma boa perspectiva de controle”,
disse Fábio Moherdaui, consultor nacional de tuberculose da Organização
Pan-Americana de Saúde (OPAS).
A Agência Brasil publica esta
semana uma série de matérias sobre a infecção simultânea de pessoas com o vírus
HIV e a bactéria da tuberculose. Menos da metade das pessoas com ambas as
infecções tomam antirretrovirais.
Questões sociais
A tuberculose está diretamente
ligada a desafios sociais, como a pobreza, miséria, exclusão, invisibilidade e
preconceito. Além das pessoas soropositivas, as populações indígena, carcerária
e pessoas em situação de rua estão entre os mais vulneráveis a contrair a
doença. Moradores de rua chegam a ter 56 vezes mais chance de contrair a
tuberculose por combinar diferentes vulnerabilidades, segundo a Organização
Mundial de Saúde (OMS).
“Quanto mais pobre é uma
pessoa, maior é o risco de ela adquirir tuberculose. A população indígena, na
hora de dormir, vai pra maloca, bota a fogueira e fica todo mundo encolhido,
respirando o mesmo ar. E ainda tem a questão do fumo, ou da fumaça da fogueira,
que reduzem a capacidade do pulmão de se proteger contra a infecção. Na
população em situação de rua, muitas vezes eles estão desnutridos e com a
imunidade baixa, e se você associa isso a pessoa que usa crack, ou que tem HIV,
então tem um prato cheio pra tuberculose”, explica o infectologista Rafael
Sacramento, integrante da Organização Médico sem Fronteiras.
Dados do Departamento
Penitenciário Nacional (Depen) mostram que as pessoas privadas de liberdade,
apesar de representarem cerca de 0,3% da população brasileira, correspondem a
9,2% dos pacientes de tuberculose no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, a
cada 100 mil presos, 897 são contagiados dentro do sistema prisional, enquanto
que entre a população geral essa taxa é de 36 a cada 100 mil pessoas.
Especialistas explicam que boa
parte deles já chega infectado nos presídios, porque já viviam em situação de
vulnerabilidade e pobreza antes de iniciar o cumprimento da pena. Mas a chance
de desenvolver a doença aumenta dentro do presídio devido às condições
insalubres do ambiente. “As pessoas vivem amontoadas, respirando o mesmo ar,
com pouca ventilação, com pouca entrada de sol, e isso também favorece a
disseminação da tuberculose lá dentro”, descreve Sacramento.
O Ministério da Justiça e
Segurança Pública informou que vai lançar no segundo semestre deste ano uma
campanha educativa em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para
orientar profissionais de saúde, agentes e familiares que têm contato com os
encarcerados. A ideia é sensibilizá-los para comunicar possíveis sintomas da
doença.
Observação dos sintomas
A tuberculose se caracteriza
pela infecção do chamado bacilo de Koch, entre outros agentes, e é transmitida
pelo ar. A pessoa infectada pela tuberculose pulmonar tem geralmente os seguintes
sintomas: tosse constante por duas ou três semanas, escarro (às vezes com
presença de sangue), dor no peito, fraqueza, perda de apetite, de peso, febre e
sudorese. Nos casos em que a tuberculose afeta outros órgãos, os sintomas podem
variar.
Se o paciente seguir de forma
regular a terapia padrão com os quatro medicamentos básicos, ele tem 100% de
chance de cura, caso não esteja infectado pelo tipo resistente da tuberculose.
O tratamento dura pelo menos seis meses e pode se estender por até um ano. Se não
aderir ao tratamento adequadamente, o indivíduo pode infectar de 10 a 15
pessoas no período de um ano, segundo estimativa da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa).
Nem sempre a infecção evolui
para a doença, mantendo-se de forma latente no organismo. Além das pessoas que
vivem com HIV, pacientes com diabetes, fumantes ou alcoólatras, ou que
apresentam qualquer condição que reduza a imunidade também estão mais propensos
a desenvolver a enfermidade.
Os principais testes
realizados no país para detectar a tuberculose pulmonar são a baciloscopia
(conhecida como exame do escarro) e a cultura. Eles podem ser feitos na rede
pública de saúde. “A gente tem também o exame molecular. O nome da máquina mais
comum é genexpert e ela consegue dizer se tem a bactéria no escarro em duas
horas e ainda diz se tem resistência primária à rifampicina e a isoniazida, que
são as duas drogas do tratamento básico. Se esse tipo de teste fosse
popularizado e estivesse realmente disperso em todas as unidades de saúde, a
gente aceleraria o diagnóstico. E uma vez no tratamento, em cerca de 21 dias a
pessoa já não transmite mais”, afirma o infectologista Rafael Sacramento.
Além da baixa capacidade de
testagem, o médico aponta ainda que outro empecilho para o diagnóstico e tratamento
precoce da coinfecção de tuberculose e HIV é o medo do preconceito em razão do
estigma que ainda cerca as duas doenças. “Se a gente conseguisse reduzir o
preconceito, as pessoas revelariam mais cedo, fariam o teste mais cedo e teriam
acesso ao tratamento cada vez mais cedo e isso seria um grande promotor de
saúde. O estigma e a baixa capacidade de testagem mantêm as pessoas distantes
do tratamento, afirmou Sacramento. Fonte: FolhaPE