São Paulo – A gestão Michel Temer
acelerou o ritmo das regularizações fundiárias no país, depois de três anos de
paralisia durante o governo da presidente cassada Dilma Rousseff.
Só nos sete primeiros meses de
2017 foram concedidos a agricultores mais títulos definitivos (TDs) e Contratos
de Concessão de Uso (CCUs) do que na comparação com os melhores anos dos
governos do PT.
Para especialistas e entidades
ligadas à reforma agrária, a regularização da posse de terras dá segurança
jurídica aos pequenos produtores rurais e contribui para diminuir a tensão no
campo.
Eles afirmam, porém, que essa
política fundiária ocorre num período em que o governo corta verbas – assim
como em diversas áreas – que dão suporte ao desenvolvimento da agricultura
familiar.
Segundo a gestão Temer, de
janeiro a agosto foram concedidos 7.356 títulos definitivos de posse, mais do
que os 6.821 lavrados em 2006, na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva – melhor ano dos governos petistas.
Os números do atual governo também são superiores na concessão de contratos de concessão de uso da terra. Nos sete meses de 2017, foram assinados 58.837 contratos desse tipo, ante 47.073 em 2010, quando o governo do PT, também com Lula, teve seu melhor desempenho.
“Agora esses pequenos agricultores podem tirar Darf (Documento de Arrecadação de Receitas Federais), pleitear empréstimos bancários e inclusão em outros programas do governo voltados para a agricultura familiar”, disse o coordenador-geral de Regularização Fundiária da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário (Sead), Humberto Thomé Pereira.
De acordo com o governo, a meta
é chegar a 120 mil títulos definitivos – entre 2003 e 2016 foram concedidos 41
mil – e 340 mil contratos de concessão – nos governos petistas foram 255 mil –
além de outras 120 mil regularizações até o fim de 2018, quando termina o
mandato de Temer.
Reconcentração
Apesar do ritmo acelerado, o
Programa Nacional de Regularização Fundiária é alvo de críticas. Segundo o
geólogo Bernardo Mançano Fernandes, da Universidade Estadual Paulista (Unesp),
a concessão dos títulos de posse, aliada ao corte orçamentário em programas
voltados para a agricultura familiar, pode fazer com que os beneficiários
futuramente vendam suas propriedades.
Segundo Fernandes, um exemplo
é a diminuição de verba do governo para Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA), uma espécie de mercado fixo para a produção dos pequenos agricultores.
“Com uma população fragilizada
e empobrecida, essas terras podem ser colocadas para o mercado e provocar uma
reconcentração fundiária.”
Para o coordenador da Comissão
Pastoral da Terra (CPT), Paulo César Moreira, a regularização deveria ser
acompanhada por um processo de estruturação dos assentamentos. “Sem discussão,
a titularização torna a terra de mais fácil acesso ou de fácil venda para o
agronegócio”, afirmou.
O governo reconhece que os
contingenciamentos orçamentários reduziram os recursos para a agricultura
familiar, mas afirma que a política de regularização vai ser complementada com
outras ações nas áreas de financiamento, assistência técnica e organização de
cooperativas, que podem melhorar as condições de comércio. “A regularização
fundiária é só a porta de entrada”, afirmou Pereira.
De acordo com o
coordenador-geral de Regularização Fundiária do governo Temer, a Sead firmou
convênios com os governos da Paraíba, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte, do
Ceará e da Bahia. São Paulo e Rio devem ser os próximos. Em São Paulo, por
exemplo, a legislação proíbe a venda das terras provenientes de reforma agrária
até 20 anos depois da titulação.
Segundo o coordenador da
Secretaria de Regularização Fundiária na Amazônia Legal, José Dumont, a
legalização da posse ajuda a reduzir os conflitos agrários em regiões
conflagradas. “O processo histórico de emissão de títulos e em grande parte dos
conflitos são decorrentes justamente da insegurança jurídica.”
ADI
A Amazônia Legal (área
instituída para fins administrativos e de planejamento econômico com nove
Estados brasileiros) concentra boa parte das titulações. Em setembro, a
Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou ao Supremo Tribunal Federal
ação direta de inconstitucionalidade (ADI) pedindo a cassação da Lei
13.465/2017, que flexibiliza a alienação de terras da União e normatiza a
regularização fundiária na área.
Segundo a PGR, a lei
originária da Medida Provisória 759/2016 “representa grave distorção do sistema
democrático e desrespeito à função legislativa”. A ação foi motivada por
representações apresentadas por 61 entidades segundo as quais a lei permite a
“privatização de terras públicas, florestas, águas e ilhas federais” tanto na
Amazônia Legal como na costa brasileira.
A Advocacia-Geral da União
(AGU) contestou a argumentação da PGR. Em nota, a Sead afirmou que “prestou
informações, nos autos do processo, que comprovam o alinhamento da lei com as
disposições da Constituição Federal”. O caso está nas mãos do ministro Luiz
Fux.
Se quiser, posso pedir
empréstimo, afirma agricultor
O agricultor Rodolfo Pereira
da Silva nasceu há 42 anos no Sítio Floriano, em Lagoa Seca, cidade próxima a
Campina Grande, na Paraíba. Na época, o sítio pertencia à mãe dele, que havia
herdado do avô.
Porém, somente há cerca de um
mês a família recebeu o título definitivo de posse da propriedade. “Agora tenho
a escritura lavrada. Se quiser, posso pedir empréstimo no banco”, disse Silva.
O agricultor não faz parte de
nenhum movimento de reforma agrária e aderiu ao Programa Nacional de
Regularização Fundiária por meio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa
Seca, que ajudou no cadastramento dos beneficiários.
Silva acredita que a partir de
agora será possível aumentar a produção da propriedade de apenas 1,1 hectare
onde ele, a mulher e os dois filhos criam porcos e galinhas e cultivam
maracujá.
“Aqui não tem perigo de
ninguém querer vender terra, não. O pessoal está nessa terra faz tempo”, disse
o agricultor. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.