O ucraniano Eugene Goostman,
de 13 anos, vive em Odessa, tem um porquinho-da-índia e é fã de computadores.
Embora se pareça com um garoto comum, ele guarda um segredo: Eugene não existe.
Ele é, na verdade, o primeiro programa de computador a passar no teste de
Turing, que verifica a capacidade de um software se comportar com inteligência
similar à de humanos. Em conversas por mensagens de texto, ele convenceu 33%
dos avaliadores de carne e osso de que era realmente uma pessoa. O experimento
ocorreu em 2014, no 60º aniversário da morte do criador do teste, o matemático
e cientista da computação Alan Turing.
Turing acreditava que as
máquinas poderiam alcançar o desempenho do cérebro humano. Em 1950, ele passou
a especular mais sobre o assunto ao publicar o artigo Maquinaria Computacional
e Inteligência, no qual introduziu o conceito de “jogo da imitação”.
“A presença da ‘humanidade’
nos programas pode ser identificada pela ocorrência de erros ou através de
padrões linguísticos. O menino ucraniano, por exemplo, elaborava piadas muitas
vezes sem graça”, explica o professor do Instituto de Matemática e Estatística
da USP Marcelo Finger.
Outra realização de Turing
permaneceu em sigilo por mais de três décadas. Em uma mansão vitoriana na
cidade de Bletchley, um grupo de gênios contratados pelo serviço de
inteligência britânico foi reunido durante a Segunda Guerra Mundial para
desvendar o código militar alemão gerado pela Enigma, máquina de criptografia
supostamente impenetrável.
Com a equipe, o matemático
começou a trabalhar na produção de uma máquina chamada “a bomba”. O instrumento
identificava pontos fracos da codificação e foi responsável por revelar a
posição dos submarinos alemães. Com as diversas informações interceptadas, o
grupo também pode ter colaborado para encurtar a duração da guerra.
Coração envenenado
Foi nessa mesma época que
Turing quase se casou com sua colega de equipe Joan Clarke, mas quando ele lhe
confidenciou que era gay, ela preferiu não manter o compromisso. O matemático
se envolveu com um jovem chamado Arnold Murray e, depois de ter sua casa
arrombada por um amigo do amante, denunciou o caso à polícia.
Acabou sendo preso por
“indecência” após declarar ingenuamente às autoridades sua orientação sexual,
considerada então ilegal. Talvez por sua importância para o governo, ofereceram
liberdade a Turing sob a condição de que se submetesse a um “tratamento” com
injeções de estrogênio sintético, o que ele fez durante um ano. Ninguém sabe
afirmar se o que aconteceu em seguida foi consequência da insatisfação causada
pela suposta cura ou simplesmente um acidente, mas (atenção para o spoiler de
mais de 60 anos!) Turing foi encontrado morto depois de morder uma maçã
envenenada com cianeto, em 1954.
Um fim lamentável para o
rapaz que começou cursando matemática na Universidade de Cambridge, em 1931, e
alguns anos mais tarde publicou sua teoria da computabilidade no artigo Sobre
números computáveis. No estudo, ele afirma que existem problemas que não têm
solução e que nem toda afirmação lógica está apta a ser comprovada a partir de
qualquer sistema formal da matemática. A conclusão contradizia, sobretudo, a
teoria do matemático David Hilbert, que acreditava ser impossível existir na
matemática algo cuja verdade nunca pudesse ser descoberta.
Até então, não havia sido
inventado nenhum processo mecânico que conseguisse determinar quando um
procedimento lógico poderia, afinal, ser comprovado ou não. E foi justamente
esse conceito que alimentou a curiosidade de Turing. No site Turing Archive for
the History of Computing, o autor Jack Copeland explica a criação da máquina de
Turing, um aparelho hipotético que mudaria de função conforme a necessidade.
Assim, podia funcionar, por exemplo, como uma calculadora e depois
transformar-se em um processador de texto. “Toda a nossa teoria atual da
computação baseia-se nessas máquinas”, afirma o professor Marcelo Finger.
“Fiquei chocado ao saber
que, apesar das suas conquistas, Turing é quase um desconhecido”, disse a
GALILEU o ator Benedict Cumberbatch, que interpretou Turing no filme O Jogo da
Imitação. “Para mim e para muita gente, Alan é um herói. Um filósofo, um cientista,
um inventor, um ícone gay e ainda um herói de guerra.” Fonte: Revista Galileu