À margem das flutuações das
passarelas, o jeans é associado a conforto e versatilidade há gerações
Estamos no início do século
20: as calças jeans, fabricadas desde meados do século anterior, começam a
ganhar bolsos traseiros e a mudança – cuja finalidade, a princípio, parecia
mais estética do que utilitária — se revela decisiva na popularização do denim.
Mais e mais trabalhadores passam a vestir jeans para jornadas que lhes exigem
resistência física e maleabilidade. Eles são copiados, mais tarde, por
personagens do cinema, astros da música e simpatizantes do movimento hippie,
que alçam a peça à condição de objeto de desejo. O jeans, originalmente
fabricado a partir de sobras de lonas usadas para cobrir carroças, ganha força
na contracultura, na rebeldia. E se blinda da passagem do tempo, se alimentando
das flutuações da moda nos últimos cem anos para se consolidar como item
atemporal. Em 2017, independentemente dos bolsos e de sua funcionalidade,
diz-se que um armário não está completo sem uma multivalente calça jeans.
“Do estilo artesanal ao
luxuoso, do divertido ao minimalista, tudo é possível, a depender das técnicas
e materiais utilizados”, explica Lorena Botti, coolhunter (pesquisadora de
tendências) da brasileira Vicunha Têxtil, maior produtora de índigos e brins do
mundo. Ela corrobora o fato de que a versatilidade é um ponto-chave para que o
denim se mantenha nas passarelas desde que o estilista americano Calvin Klein o
colocou lá, nos anos 1970. Nas próximas temporadas, segundo Lorena, o jeans
deve continuar a se estender das calças a vestidos, blusas, camisas de botão,
além de ter suas versões customizadas fortalecidas pela valorização crescente
do trabalho manual no mundo da moda. “O trabalho manual é, sem dúvidas, uma
tendência que perdurará por muitas estações. O universo handcraft agrega muito
valor ao jeans, conferindo um toque personalizado de acordo com a identidade de
cada marca”, ela prevê. Conforto e elasticidade, facilitados pela fabricação de
tecidos cada vez mais tecnológicos desde que o elastano foi somado à composição
das peças, em meados do século passado, também vão pautar o uso do denim nas
estações que virão.
Semanas de moda como a New
York Fashion Week e São Paulo Fashion Week, a principal do Brasil, reforçam as
apostas: conforto, sustentabilidade e praticidade serão elementos-chave para o
futuro da moda, quando as pessoas se preocuparão mais com a origem dos produtos
e a utilidade deles no dia a dia — tendências que só beneficiam o jeans. “Entre
as principais apostas para 2018, estão tecidos funcionais, que oferecem
conforto e bem-estar, além de novidades que utilizam tecnologia sustentável”,
detalha Lorena Botti. Controle térmico, flexibilização das roupas e efeito
bacteriostático (que combate bactérias) estão entre as principais vantagens
ofertadas pela tecnologia. “As pessoas têm repensado e remodelado a forma como
moram, se alimentam e se deslocam, têm revisado suas escolhas diárias. E a moda
precisa refletir essa mudança, porque não é só de tendência e pioneirismo que
ela vive, mas de identificação também”, diz André Carvalhal (ex-Farm), à frente
da marca Ahlma, um dos expoentes atuais em coleções “total jeans” - quando
todas as peças escolhidas para compor o look são feitas de jeans.
Embora pouco se fale sobre a
contribuição que ícones do rock e da indústria hollywoodiana – Marilyn Monroe,
Elvis Presley, James Dean – deram à “glamourização” das calças jeans, em meados
do século 20, pode-se encontrar naquela fase as raízes das tendências que devem
dominar passarelas, vitrines e ruas nos próximos meses. O conforto, a
personalização, o despojamento. A essência sustentável e esportiva do jeans,
citada como revolucionária naquela época, será revigorada: na esteira da
fluidez de gêneros nas passarelas atuais, da celebração do athleisure (uso de
roupas esportivas como casuais) e da preocupação com os recursos naturais, a
produção de peças sustentáveis e esportivas deve dominar o segmento. Reciclagem
de aparas de tecido, resíduos do processo de fabricação e matérias-primas
certificadas por entidades defensoras do meio ambiente estarão na moda, assim
como o aconchego da peça: ainda há poucas coisas tão versáteis – e confortáveis
– quanto uma calça jeans.
>> Mercado jeans
O Brasil, bem posicionado no
mercado, se beneficia da atemporalidade do jeans: por mês, os sete mil
colaboradores da Vicunha Têxtil produzem mais de 20 milhões de metros do tecido
– fabricados e comercializados em unidades no Equador, na Argentina e no
Brasil, onde está sediada –, mantendo a liderança internacional de produção no
segmento. Em Pernambuco, segundo maior polo têxtil produtivo do país, com
movimentação de US$ 8 bilhões ao ano, segundo dados do Núcleo Têxtil de
Pernambuco e da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), despontam
cidades agrestinas, como Toritama, Caruaru e Santa Cruz do Capibaribe. De
acordo com informações divulgadas no Festival do Jeans de Toritama deste ano, a
cidade é a principal produtora de jeans do Nordeste, responsável por 16% da
produção brasileira. Praticamente toda a população do município está envolvida
no segmento, que produz cerca de 60 milhões de peças por ano e gera aproximadamente
25 mil empregos diretos.
"Hoje há espaço para
opções mais ousadas". Foto: Mariana Maltoni/Divulgação
"Hoje há espaço para
opções mais ousadas". Foto: Mariana Maltoni/Divulgação
>> Entrevista: Lorena
Botti, coolhunter da brasileira Vicunha Têxtil, líder mundial na produção de
jeans
Quais são os tipos de
lavagem de jeans mais procurados no Brasil? Podemos dizer que o brasileiro tem
uma preferência de tonalidade ou estilo, em geral?
Assim como o jeans, a moda
brasileira é extremamente democrática e versátil. Hoje, podemos dizer que há
espaço tanto para o raw denim como para as opções mais ousadas, com diferentes
lavagens e efeitos. Destaque para o jeans com visual “destroyed”, com puídos,
rasgados e estiletados.
Quais as principais
características, os diferenciais do jeans brasileiro sobre o jeans produzido em
outros lugares do mundo?
Inovação, diversidade e
qualidade são os diferenciais dos materiais produzidos nacionalmente. Aqui,
podemos encontrar um amplo leque de produtos com diferentes características,
com misturas de fibras e acabamentos diversos, elaborados a partir de
tecnologia de ponta e excelente matéria-prima.
Em relação ao avanço da
tecnologia (máquinas mais potentes, impressoras 3D, tecidos tecnológicos), como
será o jeans do futuro?
Qualidade, performance e
sustentabilidade são pilares fundamentais para o futuro da moda. De maneira
geral, a tecnologia permitirá experimentar novos e diferentes materiais. O
consumidor tende a aumentar o interesse pela origem dos produtos que adquire.
Por isso, artigos sustentáveis seguem com forte crescimento. Tecidos
inteligentes e funcionais serão cada vez mais demandados. O jeans estará cada
dia mais conectado com o universo wearable [tecnologia vestível].
E o look total jeans, veio
para ficar? Em que situaçõe cai bem?
A combinação atingiu um
patamar consolidado que vai além de ser uma tendência passageira. Conforme a
moda se transforma, as peculiaridades do visual como tipos de shape, tecidos e
lavagens também se modificam. Tudo muda, mas o look total jeans é sempre uma
excelente aposta para todos os estilos e situações. Fonte: Diário de Pernambuco