A parcela de brasileiros abaixo da linha da pobreza
aumentou pelo segundo ano consecutivo em 2016, após uma década de redução.
Refletindo o impacto do desemprego e da inflação na renda do trabalho, o
percentual, que já tinha subido de 8,4% para 10% em 2015, atingiu 11,2% no ano
passado, pelos cálculos do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio
Vargas (FGV Social).
A corrosão da renda do trabalho, formal e informal,
ajudou a jogar na pobreza cerca de 5,9 milhões de pessoas nesses dois anos.
Esse segmento, que era próximo de 16 milhões em fins de 2014, alcançou cerca de
22 milhões, disse ao Correio o economista Marcelo Neri, presidente do FGV
Social e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Os números resultam de projeções feitas a partir de dados
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), do Instituto
Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE). Neri considerou abaixo da linha da
pobreza brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 230,00 por mês,
a preços de 2016.
O aumento da pobreza desde 2015 foi reflexo da queda da
atividade da economia, em um cenário de inflação ainda não domada. A inflação
por si só já corrói o valor real dos salários. Ao provocar desemprego por causa
da retração de investimentos e consumo, a recessão, instalada em meio a
incertezas de empresas e consumidores sobre consequências econômicas do
complicado quadro político, só piorou as coisas.
Em dois anos, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro
encolheu 7,2%. Com as empresas produzindo menos, o desemprego disparou. Medida
pelo IBGE, a taxa de desocupação de trabalhadores saltou de 6,5% para 12% entre
os últimos trimestres de 2014 e de 2016. E continuou piorando em 2017, chegando
a 13,7% no trimestre findo em março.
Horror
A redução dos empregos levou muita gente a aceitar
remuneração menor ou a ficar sem salário. Assim, afetou a renda do brasileiro e
o nível de pobreza. No Brasil, a renda do trabalho é determinante para a
entrada ou saída de famílias das estatísticas de pobreza, lembra o sociólogo
Rafael Guerreiro Osório, pesquisador do Ipea. “O que mais importa é o
desempenho do mercado de trabalho”, disse ele, avaliando que “os dados da Pnad
Contínua estão um horror” desde 2015.
Após cair 2% no último trimestre de 2015, a renda
habitual do trabalho, indicador do IBGE que captura remuneração apenas de
pessoas ocupadas, seguiu em declínio nos três primeiros trimestres de 2016
(-3,2%, -4,2% e de -2,1%, respectivamente), na comparação com igual trimestre
do ano anterior.
Quando se olha a renda do trabalho pelos critérios do FGV
Social, a situação revela-se ainda mais grave. A fundação considera os
desempregados em sua base de cálculo e, portanto, que parte dos trabalhadores
ficou sem salário, com a consequente piora da renda per capita das suas
famílias. Por isso, o indicador da FGV detectou reduções mais fortes que as
observadas pelo IBGE na mesma sequência de quatro trimestres: -4,21% -5,02%
-6,03% e -5,17%. O dado do FGV Social também leva em consideração a renda
informal, aspecto importante entre os mais pobres, cujas relações de trabalho
são mais sujeitas à informalidade.
As estatísticas do IBGE sobre renda de pessoas ocupadas
certamente também foram afetadas pelo desemprego, pois o aumento de
disponibilidade de mão de obra tende a barateá-la. Mas o impacto fica mais
evidente quando se consideram, como faz o FGV Social, os trabalhadores que
ficaram sem salário por falta de emprego.
Embora em ritmo mais lento, o indicador do FGV Social
seguiu em declínio inclusive quando a renda habitual do trabalho parou de cair.
Enquanto o dado do IBGE mostrou estabilidade, a renda do trabalho considerada
nas contas de Marcelo Neri caiu 2,83% no último trimestre de 2016 e 1,6% nos
primeiros três meses de 2017.
Como disparou em 2016 e ainda está alta, a taxa de
desemprego neste início de 2017 está influenciando a renda do trabalho até mais
do que influenciou nas comparações de 2015 com 2016. Segundo Neri, o desemprego
respondeu por nada menos que 80% da variação negativa de 1,6% detectada na
renda no primeiro trimestre de 2017.
Mais comportada atualmente, a inflação deixou de ser
fator preponderante em 2017, contribuindo para desacelerar a trajetória de
redução da renda real do trabalho. Neri informa que, no seu momento de queda
anual mais acentuada (-6,03% no segundo trimestre de 2016) o indicador do FGV
Social chegou a ter 73% de sua variação negativa explicada pela inflação. No
fim daquele trimestre, a variação em 12 meses do Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, chegou a 8,84%.
Corrosão
A inflação corrói o poder de compra dos salários. Daí a
importância das políticas macroeconômicas para manter relativa estabilidade de
preços. Medida pelo IPCA, a inflação anual bateu em preocupantes 10,67% em
2015. Em 2016, caiu para 6,29 %, mas ainda ficou acima da meta do governo
(4,5%). Em 2017, recuou bem, encerrando maio em 3,6% na medição em 12 meses.
A queda, em parte, foi decorrência da própria recessão
dos últimos dois anos, que, ao ter inibido demanda por consumo, desestimulou
reajustes de preços. A inflação também caiu por causa da política monetária do
Banco Central, que, embora já tenha retomado o processo de redução da taxa
básica de juros, ainda a mantém em patamar elevado. A chamada Taxa Selic
influencia custos de financiamentos e empréstimos e juros de aplicações
financeiras. Isso interfere nas decisões de consumo.
Embora em ritmo mais lento graças à queda da inflação, a
renda do trabalho mais afetada pelo desemprego continuou perdendo valor real
mesmo quando o nível de atividade econômica deu, recentemente, sinal de que o
Brasil pode estar saindo da recessão.
Em relação a igual período de 2016, o PIB brasileiro se
retraiu (- 0,4%) no primeiro trimestre de 2017. Mas teve aumento real de 1 % em
relação aos três meses anteriores, interrompendo um ciclo de quedas que já
durava oito trimestres. Ainda assim, por causa da elevada taxa de desocupação,
a renda do trabalho medida pelo FGV Social teve perda real de 1,6%. O sinal,
ainda fraco, de redução do desemprego só veio em abril, quando a taxa, apurada
pelo IBGE, baixou de 13,7% para 13,6%.
A retomada econômica sem aumento de emprego se explica
pela composição do crescimento do PIB. Pelo lado da demanda, a alta da
atividade econômica foi puxada pelo comércio exterior e não pelo consumo do
mercado interno. Não por acaso, pelo lado da produção, o que se destacou foi o
agronegócio, que puxa exportações.
Desigualdade
Marcelo Neri destaca ainda que houve aumento da
desigualdade de renda em 2015 e 2016. “O Índice de Gini (quanto mais alto,
maior a desigualdade), que vinha caindo desde 2001, subiu forte nos últimos
dois anos”. Ele ponderou, por outro lado, que o percentual de brasileiros
abaixo da linha da pobreza já foi muito maior do que os 11,2% observados em
2016. Em 2004, era de 25%. Proporcionado, entre outros fatores, pelo
crescimento da economia em anos anteriores, o avanço social ficou longe de ser
revertido. Fonte: Diário de Pernambuco